segunda-feira, janeiro 28, 2008

Espiritualidade de Baixo

Os monges do deserto, cristãos que buscaram na solidão do ermo uma experiência autêntica com Deus, falavam da importância da espiritualidade “de baixo”. Desejosos de fugirem da vida religiosa meramente de aparências e palavras bonitas, eles insistiam em que o caminho para Deus começava por baixo, pelo reconhecimento de nossas paixões e pela percepção das regiões sombrias de nossa alma.
Eles rechaçavam os “altos ideais”, as conversações sobre assuntos meramente de cima, questões celestiais e por demais abstratas que só servem para levar o homem para longe de si mesmo e sua própria realidade, devastada e aprisionada pelas paixões.
Esses mestres espirituais, dos quais o ensino não brotava da teoria, mas do andar com Deus diário, prático, que encara as situações do cotidiano não como um empecilho para a vida com Deus, mas como o único caminho para nos levar a uma relação autêntica com o Pai, diziam que antes de querermos “enfeitar o telhado de nossa casa”, deveríamos descer ao “sótão”, àquele lugar úmido em nossa alma, pouco visitado ou mesmo quase nunca, de tão assustador e desprezível.
Espiritualidade de baixo tem a ver com enxergar-se, olhar-se sem a maquiagem da piedade fingida que se mostra aos outros como “bom”. Tem a ver com o desnudar-se diante de Deus e do próximo, não desejando nunca que pensem de nós além daquilo que somos.
Por vezes, nossa intolerância com os pecados alheios, nosso desejo e tendência constante para o criticismo, caracterizado por achar defeitos nos outros e na igreja o tempo todo, trata-se do não reconhecimento dos próprios pecados, reprimidos e não tratados na presença de Deus.
Acostumados ao silêncio e à solidão, a viver na quietude onde as ilusões se desfazem e assim o auto-engano não encontra mais lugar, os eremitas do deserto se tornaram os psicólogos da antiguidade. Treinados em ouvir os sussurros da própria alma, eles não se deixavam impressionar pela espiritualidade desmedida (“de cima”), que insiste em discutir e querer ter a razão nas questões “estratosféricas” da teologia cristã, mas insistiam em prescrever a humildade como caminho para Deus. “Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, e Ele, a Seu tempo vos exaltará” (I Pe.5:6), era o lema de vida destes homens.
A verdadeira humildade que conduz a Deus e não aos ídolos do próprio coração, precisa passar pelo reconhecimento de quem sou, minhas mazelas, imaturidades, paixões e idiossincrasias. Neste sentido, o reconhecimento honesto de quem sou contribuirá para tornar-me aquilo que nasci para ser. Paulo, possuía um espinho na carne que era o próprio diabo a esbofetear-lhe o rosto. Mas o poder de Deus, manifestava-se em sua fraqueza.
O caminhar cristão saudável está baseado no auto-conhecimento desprovido de ilusões onde reconheço quem sou, e da noite escura de minha alma parto em direção da luz do evangelho da glória de Cristo, buscando no auxílio de irmãos e da Palavra, nunca isolado, a cura de minhas feridas, a fim de um dia poder tornar-me aquele que aos outros consola, mas com as mesmas consolações que tenho sido consolado.

terça-feira, janeiro 15, 2008

Minha Visita Ao Mosteiro




Acabei de voltar do Mosteiro da Ressurreição, Ponta Grossa - PR. Foi uma experiência e tanto, mais pra mim do que para os monges, confesso.


Tivemos a oportunidade, eu e meu amigo Ronaldo Perini, de passar três dias dentro do claustro, o que normalmente não ocorre, pois os visitantes ficam na casa de hospedagem - afinal, monge não é "ponto turístico ou peça rara no museu da cristandade". Mas, como estava cheia a hospedaria, o Abade permitiu que entrássemos um pouco mais fundo na vida da comunidade monástica.


Não dá ainda pra entender e expressar de forma escrita tudo o que se deu comigo naqueles dias, e isso parece bastante com a ênfase da espiritualidade do deserto: o coração é mais importante que a mente, apesar desta não ser desprezada (perguntou-se a um monge se ele não tinha interesse de estudar, ao que respondeu: "entrei aqui para estudar o crucifixo, e até hoje estou tentando. O que a cruz não me ensinar, nada mais pode fazê-lo". Tal monge está lá há 61 anos...). Ainda estou digerindo a experiência. Uma coisa é colocar o nome no blog de "O Pastor E O Monge", e outra bem diferente é o "pastor tentar viver como um deles...". Mas, vamos lá...aí vão minhas impressões:


1) A vida devocional deles coloca a de qualquer evangélico no bolso. Os caras param sete vezes por dia para louvar a Deus nos ofícios, cantando salmos, lendo a palavra, confessando pecados, pedindo misericórdia a Deus. Eles lêem o Saltério todo a cada 15 dias!!! Acho que desde "Daniel na Babilônia" ninguém ora tanto...e olha que ele parava só três vezes por dia!!! Lutamos pra fazer o povo evangélico ter uma devocional de pelo penos 15 minutos por dia...e ler a Bíblia 1 vez ao ano...


2) A disciplina inserida no cotidiano pelos monges, deveria ser praticada por todos os cristãos. Eles têm uma vida regrada. Tempo de orar, de trabalhar, de alimentar-se, recreio, banho, dormir, etc. Parece escravidão, mas o dia rende extraordináriamente e eles realizam muito a cada dia. "Acho" que é na Bíblia tá escrito alguma coisa como "remi o vosso tempo". Passamos horas incontáveis diante de internet e tv, atividades que até têm o seu lugar, mas que estão se tornando o nosso "altar" diário.


3) A afetividade para com os visitantes faria vergonha ao ambiente de muitas igrejas. Nunca fui tão abraçado em tão pouco tempo...parecia que eles estavam reencontrando um grande amigo de longas datas! Num dos dias acabamos não almoçando no mosteiro e como nossa refeição foi "tarde e farta", decidimos um fazer "jejum" do jantar. Um dos monges, acho que o mais velho e o que lá está há mais tempo, percebeu nossa ausência. Quando nos encontrou, já lá pelas 20 hs, disse que não podíamos dormir sem comer nada e foi ao galinheiro, catou uns ovos e fez o melhor omelete que já comi em minha vida. De bandeja ainda passou um café fresquinho. Senti-me mais bem tratado do que em muitas igrejas que já fui pregar. Um dos ítens da regra de São Bento - que formatou em suas orientações a vida monástica - é: "receba a todos como ao próprio Cristo". Eles levam isso a sério...se seguíssemos o mesmo em nossas comunidades já teríamos experimentado um novo avivamento.


4) O monge segue a orientação do Abade, o "pastor do mosteiro". Fiquei pensando na autoridade do Abade dentro da comunidade e o carinho que todos têm por ele. Ele é o "pai" de todos e suas orientações são seguidas com reverência. É certo que há pastores que não conquistam tal relação com seu próprio rebanho por deficiências pessoais, mas, em quantos lugares o "pastor" é tratado como mero "funcionário" da igreja e que deve cumprir suas "obrigações porque ganha seu salário para isso"? Quanto sofre o coração do "pastor" por falar, falar e falar ao seu rebanho e ver-se ignorado pela comunidade? Penso no quanto o advento do "individualismo" tem gerado um sem número de homens e mulheres que não conseguem submeter-se a autoridade de um líder espiritual, pois desejam apenas "homens de Deus" que lhe sejam sempre favoráveis, um perfeito puxa-saco. Gente que pastoreia a si própria e faz do pastor o gerente do negócio religioso. Muitos aceitam o cargo.


5) O silêncio no mosteiro é intencional e praticado como regra. Até na hora da refeição eles evitam o ti-ti-ti. Enquanto comem algum monge escalado faz a leitura de algum "Pai da Igreja" e aos domingos ouvem ópera enquanto comem..."mente vazia...". A quietude é prezada por embasar a vida vivida para Deus. Sem silêncio enganamo-nos a nós mesmos e projetamos sobre "deus" nosso próprio eu. Cultivar uma vida silenciosa é a prerrogativa para alguém tornar-se "espiritual", ou seja, manifestar Cristo no viver. Queremos "Seu poder", "Sua majestade" e "Sua autoridade", mas seu estilo de vida - SILENCIOSO - , fonte de onde retirava seus recursos espirituais, desprezamos. Queremos cultos com muito movimento, barulho e entretenimento ("mantenha-nos sorrindo..."), porém, a verdadeira espiritualidade cristã é filha do silêncio, onde podemos entrar em contato não apenas com Deus, mas com nosso próprio coração, donde provêm as fontes de nosso viver. É fato que isto trata-se de um aprendizado. Ninguém se tornará "quieto" ou disposto a quietude do dia para a noite. É necessário prática, abrir espaços de silêncio no dia-a-dia e na agenda, mas se abdicarmos desta disciplina, é possível que estejamos profanando o aspecto mais fundamental da proposta da espiritualide cristã: o silêncio.




Bem, acho que escreverei mais nos próximos dias. O coração ainda está em reboliço. Enxerguei-me mais de perto, e como disse meu amigo Ronaldo, "não gostei do que vi". Foi um tempo de reavaliação da caminhada, como cristão, marido, pai, amigo...não sobrou nada! Ehehehe! Estou em reconstrução, fechado pra balanço e praticamente decretando a falência da espiritualidade que me trouxe até aqui e pela qual o mundo gospel clama, sem saber aquilo que pede: "pedra no lugar de pão". Decidi que não quero mais conquistar o mundo. Desejo apenas conquistar a mim mesmo, oferecer-me como libação ao reino de Deus, libertar-me de tudo quanto ainda me escraviza e diminui a posse do Espírito sobre minha vida. Aos navegantes aviso: algo mudou dentro de mim, e aconteceu dentro de um mosteiro...

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Casamento: Desapaixonar-se Para Crescer...

A maré não tá pra peixe no mar dos relacionamentos. O Ibge diz que hoje no Brasil a maior parte dos divórcios se dá entre casais com até dois anos de união. Pasme! Lembra da crise dos "sete anos"? Pois é, a tolerância baixou, e agora a crise é de "dois anos".
As promessas da modernidade não se cumpriram. Diziam que "na medida em que o conhecimento da humanidade e a tecnologia aumentássem, também cresceria a felicidade". Não é o que vemos. Nunca tivemos tantos "doutores e pós-doutores" que podem ser ao mesmo tempo "analfabetos relacionais".
Desaprendemos o permanecer, o crescer juntos e ficamos correndo atrás do canto da sereia, da possibilidade de felicidade plena "no próximo relacionamento". Tomamos "pau" na matéria 'resolução eficaz de conflitos' e caminhamos vida a fora colecionando desafetos e casos mal resolvidos. Resultado: infelicidade.
É claro que não defendo que "casamento é casamento e acabou...entrou nessa agora só a morte poderá separá-los". Casamento tem que ter adjetivo: "satisfatório, proveitoso, gerador de crescimento, etc". Se não tá legal tem que se mexer, buscar solução, ajuda, o que for, mas montar em cavalo morto não dá. Aliás, tem gente que nunca busca o auto-desenvolvimento porque o cônjuge não toma atitude alguma. Tem pavor da solidão. O amor, diz a santa Bíblia, lança fora o medo. Um bom casamento tem confronto, conflito, coloca-se limites e corre-se atrás do prejuízo. Ficar fazendo cara de bonito nas fotos das festas de família, mas ir dormindo chorando, não dá. Tem gente que por medo do sofrimento desconhecido, matêm-se no sofrimento conhecido.
Um bom casamento é formado por pessoas em crescimento. É assim que o casamento fica gostoso: quando é formado por duas "pessoas" e não aquele que desemboca numa simbiose, que em geral envolve um "dominado" e um "dominador".
Um bom casamento é formado por dois seres inteiros, que curtem a si próprios antes de curtirem o outro. Falo da capacidade de ser amigo de si mesmo, ter projetos próprios, algo a fazer de suas vidas neste planeta.
Um bom casamento é aquele que abre espaço para o outro ser, dar suas opiniões, discordar, ser autêntico no assumir os próprios limites e congruente nas capacidades de "sentir, falar, pensar e agir".
Um bom casamento é libertário e não dominador. Libera-se intencionalmente o cônjuge para tornar-se tudo aquilo que nasceu pra ser: um ser inteiro, não fragmentado. Tudo aquilo que sabota o crescimento do outro é um atentado contra a liberdade.
Um bom casamento é aquele onde a perda da ilusão chamada "paixão" não gera esfriamento, mas crescimento. O amor trabalha com dados de realidade. Não dá pra amar a vida inteira um "ícone" das próprias carências. Ao tempo em que a "deusa" da paixão se quebra com o descobrimento do "outro real", forma-se aí também o húmus necessário para o amadurecimento do ser humano.
Desapaixonar-se é necessário. A paixão é o que nos torna "vivos", dizem alguns, mas não falam que depois ela nos mata. Manter-se apaixonado é tolice. Trata-se de insistir em acreditar na mentira de que "alguém" pode ser tudo para mim.
Precisamos de mais projetos - do que o 'casamento' - para nos tornarmos 'inteiros'. Precisamos de amigos, esporte, trabalho, realizações e acima de tudo de espiritualidade. Deus é fundamental para darmos conta da dor que sentimos quando a ficha cai e assumimos que a relação do casamento não é tudo que precisamos para alcançarmos "o céu em vida".
Acho que foi o grande mestre Pr.Ivênio dos Santos que propôs a seguinte dinâmica do casamento: ao invés de "deslumbramento-casamento-conhecimento-esfriamento", podemos buscar "deslumbramento-casamento-conhecimento-crescimento". Tô com ele!
Apostar todas as fichas da realização na vida no cônjuge, é covardia. Ser humano algum pode dar conta desta expectativa.
Livrar-se da paixão, deixar que ela se esvaia e até soltar fogos no dia de seu enterro é fundamental para começar a trabalhar duro na construção do amor. Amar é a construção diária de uma relação baseada em 'respeito, liberdade e espiritualidade'. Sem este tripé não funciona.
Vejo em Jesus Cristo o ser humano (sem deixar de ser Deus...) que todos nós nascemos para ser. Ele foi completo, inteiro consigo, o próximo e com Deus. Soube ser com os outros, sem impor que os outros fossem como ele e também não aceitando dominação alheia. Em Jesus encontramos a fonte que pode nos sustentar em meio aos desertos da relação conjugal. Ele, por Sua obra redentora, objetiva reconstruir-me à imagem e semelhança do Pai, restaurando minha humanidade e tornando-me apto para aprender a amar o outro de forma madura e geradora de crescimento. Cristo oferece-se para ser o interlocutor de minhas relações verticais e horizontais. Ao permitir que Ele lidere nossas vidas, teremos encontrado muito mais do que "um mapa" para as relações. Ele se dispõe a ser "o guia" seguro, e se obedecermos ao Seu "segue-me", a promessa não é de que o casamento será perfeito, mas sim que fomentará o ambiente necessário para que nos tornemos tudo o que nascemos para ser: seres em constante crescimento, até atingirmos a estatura do "varão (homem) perfeito" - Cristo!!!

terça-feira, janeiro 01, 2008

Quem Sou Eu?


Wer Bin Ich? Quem Sou Eu? Quem sou eu?

"Freqüentemente me dizem que saí da confinação da minha cela de modo calmo, alegre, firme, como um cavalheiro da sua mansão. Quem sou eu?
Freqüentemente me dizem que falava com meus guardas de modo livre, amistoso e claro como se fossem meus para comandar. Quem sou eu?
Dizem-me também que suportei os dias de infortúnio de modo calmo, sorridente e alegre como quem está acostumado a vencer. Sou, então, realmente tudo aquilo que os outros me dizem? Ou sou apenas aquilo que sei acerca de mim mesmo? Inquieto e saudoso e doente, como ave na gaiola, lutando pelo fôlego, como se houvesse mãos apertando minha garganta, ansiando por cores, por flores, pelas vozes das aves, sedento por palavras de bondade, de boa vizinhança, conturbado na expectativa de grandes eventos, tremendo, impotente, por amigos a uma distância infinita, cansado e vazio ao orar, ao pensar, ao agir, desmaiando, e pronto para dizer adeus a tudo isto?
Quem sou eu? Este, ou o outro? Sou uma pessoa hoje, e outra amanhã? Sou as duas ao mesmo tempo? Um hipócrita diante dos outros, e diante de mim, um fraco, desprezivelmente angustiado? Ou há alguma coisa ainda em mim como exército derrotado, fugindo em debanda da vitória já alcançada?
Quem sou eu? Estas minhas perguntas zombam de mim na solidão. Seja quem for eu, Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!"


Dietrich Bonhoeffer foi um grande teólogo protestante alemão, considerado um dos mais relevantes do século XX. Perseguido e aprisionado pelo nazismo, foi enviado a um campo de concentração, onde foi executado, já em fins da Segunda Guerra.Para mais textos e informações sobre Bonhoeffer, visite:http://www.sociedadebonhoeffer.hpg.ig.com.br/olegado.htm.