sábado, agosto 08, 2009

Bondade Com Estranhos

“Trabalhem para o bem da cidade onde Eu os mandei como prisioneiros (exílio). Orem a mim, pedindo em favor dela, pois, se ela estiver bem, vocês também estarão” (NTLH) (Jr. 29:7)

A Bíblia fala sobre a “paz” sob dois aspectos: 1) A paz perfeita (Is.2:4; Mq.4:4); mas também sobre a 2) Paz possível (Jr.29:7)...estamos falando sobre o segundo tipo – um projeto de paz para um mundo não redimido...
Os que mostram coragem nos campos de batalhas são condecorados com medalhas, mas os que promovem a paz são quase sempre assassinados...porquê?
A paz é percebida como uma forma de traição...nos lugares onde há conflito (há em todo lugar...), este contribui para nosso senso de identidade (“nós e eles”), e “fazer paz” pode provocar um profundo abalo no senso de identidade...
Quando temos falado de 'tsedacá' (“justiça-social”, distributiva...), 'mishpá' (“justiça” retributiva...), 'chéssed' (“atos de bondade”) e 'rachamim' (“compaixão”), estamos falando da bondade ‘aqui-e-agora’, o bem e a justiça que estão em minha mão fazê-los...
Mas, a quem devemos isso? Aos domésticos da fé? Aos que entram para nossa igreja? Bem, também, mas não apenas...quem é o nosso próximo? Aquele que tenho a oportunidade de enxergar o sofrimento...
Na Lei de Deus haviam preceitos de “justiça e bondade” até para com o estrangeiro que habitava em Israel (Lv.25:35, 47) – “amar o estrangeiro” é repetido 36 vz no Pentateuco...
É digno de nota que tais mandamentos deveriam ser mantidos mesmo que no exílio, pois serviriam para preservar a identidade do povo judeu...mesmo sem terem o poder político e a autonomia religiosa...
Na mente do povo judeu atos de bondade não precisavam de uma “bênção” para serem abençoados...já eram em si abençoados!!!
Atos de bondade redimem da solidão a alma humana e a traz de volta ao mundo dos vivos aqueles que sofrem...seis mil idiomas são falados ao redor do mundo, mas o mais universal é o “idioma das lágrimas”...
A uma história que ilustra bem isso. Trata-se de uma história triste, de uma família judia que teve de deixar Israel para ir atrás de trabalho, e quando lá estavam, morrem pai e dois filhos, deixando uma mãe viúva e duas noras viúvas que não eram judias. Nesse momento a sogra as libera para que voltem a seus país e casam-se novamente. Um delas se recusa e diz que seguiria a sogra para onde quer que fosse...elas volta para Israel e a sogra lembra-se de um parente distante que poderia empregar sua ‘nora fiel’...a jovem vai até ele e além de conseguir um emprego consegue um marido...admirada com tanta bondade por uma estranha, ela questiona porque a trataram assim (Rute 2:10). Trata-se de uma história tão preciosa de bondade com estranhos que o nome de Ruth até virou um termo em inglês que não existem mais – ‘ruthless’ = ‘implacável, cruel, desumano’; ‘ruth’ – ‘bondade, benignidade, benevolência’.
A história de Ruth fala sobre a bondade que supera as diferenças, o preconceito, o medo...a bondade que levou àquele casamento gerou frutos...7 gerações depois nasce o Rei Davi...donde também veio ao mundo Jesus Cristo, nosso mestre bondoso!!!

terça-feira, agosto 04, 2009

Antes do Nome

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás", o "o", o "porém" e o "que",
esta incompreensível muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

Adélia Prado

Bilhete da Ousada Donzela

Jonathan,
há nazistas desconfiados.
Põe aquela sua camisa que eu detesto - comprada no Bazar Marrocos -e venha como se fosse pra consertar meu chuveiro.
Aproveita na terça que meu pai vai com minha mãe visitar tia Quita no Lajeado.
Se mudarem de idéia, mando novo bilhete.
Venha sem guarda-chuva - mesmo se estiver chovendo - Não agüento mais tio Emílio que sabe e finge não saber que te namoro escondido e vive te pondo apelidos.
O que você disse outro dia na festa dos pecuaristas até hoje soa igual música tocando no meu ouvido: "Não paro de pensar em você."
Eu também, Natinho, nem um minuto.
Na terça, às duas da tarde, hora em que se o mundo acabar eu nem vejo.

Com aflição,

Antônia

Adélia Prado

Ausência de Poesia

Aquele que me fez me tirou da abastança,
Há quarenta dias me oprime do deserto.
(...) Ó Deus de Bilac, Abraão e Jacó, Esta hora cruel não passa?
Me tira desta areia, ó Espírito,
Redime estas palavras do seu pó.

Adélia Prado

Janela

Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada, janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você, meu pé esbarra no chão.
Janela sobre o mundo aberta, por onde vio casamento da Anita esperando neném, a mãe do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai: minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela,
brincadeira de ladrão,
clarabóia na minha alma,
olho no meu coração.

Adélia Prado

O Poeta Ficou Cansado

Pois não quero mais ser Teu arauto.
Já que todos têm voz, por que só eu devo tomar navios de rota que não escolhi?
Por que não gritas, Tu mesmo, a miraculosa trama dos teares, já que Tua voz reboa nos quatro cantos do mundo?
Tudo progrediu na terra e insistes em caixeiros-viajantes de porta em porta, a cavalo! (...)
Ó Deus,me deixa trabalhar na cozinha, (...)

Adélia Prado

Amor Feinho

Eu quero amor feinho. Amor feinho não olha um pro outro. Uma vez encontrado, é igual fé,não teologa mais. Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo e filhos tem os quantos haja. Tudo que não fala, faz. Planta beijo de três cores ao redor da casae saudade roxa e branca,da comum e da dobrada. Amor feinho é bom porque não fica velho. Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é: eu sou homem você é mulher. Amor feinho não tem ilusão,o que ele tem é esperança: eu quero amor feinho.

Adélia Prado

Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 252.

À Gosto de Deus

A expressão “à gosto de Deus” tornou-se o jargão usado para explicar a falta de definição em alguma área de nossas vidas. Exemplo: “e aí, já marcaram o casamento?”, e a resposta quando indefinida: “Ah, vai ser em agosto, à gosto de Deus...”, colocação que geralmente provoca sorrisos. Por vezes esta expressão tem o sabor de que ‘nada está acontecendo’, um sabor amargo na boca de quem o sente, e por isso, apressados, achamos sempre que temos que realizar mais alguma tarefa, conhecer mais uma pessoa, pois a ‘felicidade’ está sempre naquilo que ‘ainda irá acontecer’.
Estamos em agosto, digo o oitavo mês dos doze que compõem este ano que estamos vivendo, 2009. Passou rápido e assim vai a vida. Como disse Salomão ‘ela passa e nós voamos’. Isto caracteriza o tempo ‘cronos’ (tempo humano, contado pelo relógio...), sua fugacidade e impermanência. Quando pensamos que o temos, ele já se foi.
Vivemos no desespero do relógio. Queremos realizar projetos e estar com pessoas; traçamos planos e estabelecemos metas na esperança de estarmos aproveitando bem o tempo. Mas, como ‘cronos’ era também aquele ‘deus grego’ que devorava seus filhos, em muitos momentos somos engolidos pela sensação do despercício e da insignificância: “minha vida e sua realizações têm tido algum valor?”, perguntamo-nos.
A espiritualidade bíblica é um convite a vivermos num outro ritmo chamado ‘kairós’, ou seja, ‘o tempo aceitável de Deus’, o momento em que percebemos a ação de Deus em nossa história, salvando, perdoando, redimindo e estabelecendo Seu reino em meio às nossas atividades cotidianas. São aqueles instantes em que percebemos uma certa sincronicidade entre este mundo e o vindouro, e como Jacó dizemos: “este lugar é realmente a casa de Deus e eu não sabia”. Trata-se daqueles momentos em que, tal qual Maria, percebemos que o mais importante é nos quedarmos aos pés de Jesus ao invés de realizarmos qualquer outra atividade como ‘Marta’, que repleta do sentido de urgência do que tinha que ser realizado, perdeu toda a beleza daquele momento em que o Deus-encarnado visitava sua casa. Marta perdeu o assombro; acostumou-se com o sagrado. Tornou-se escrava do tempo!
Meu amado irmão (ã), minha prece é que o ‘mês de agosto’ seja o tempo aceitável de Deus em sua vida, mas este é o mesmo potencial dos meses que se passaram! Não precisamos, necessariamente, de nenhuma ‘grande’ realização ou acontecimento. Trata-se de percebermos a “Presença” conosco ‘aqui e agora’. Envolve mudança de ‘olhar’. Jesus disse: ‘Se teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luz’.
Abra os olhos da fé e veja! Há graça em abundância em cada circunstância e hora de sua vida. Para os gregos às horas eram ‘anjos’ e cada um trazia uma mensagem de Deus. Decida crer! Decida confiar! Decida obedecer! Decida regozijar-se! Este é o tempo aceitável de Deus para sua vida: ‘o mês de agosto’!!! E assim também será setembro, outubro, novembro...todos com gosto de Deus!!!

Tropeçaram Uns Sobre Os Outros

No texto de Levítico 26:36-37 Moisés está relatando ao povo as consequências de levarem ou não a sério o pacto que fizeram com Deus. Ele fala de ‘bênçãos e maldições’ diante da ‘obediência ou desobediência’ à Palavra de Deus. Ali o líder dos judeus parece ser mais minuncioso em falar das maldições. Ele explica que parte do que aconteceria por não serem fiéis ao pacto é que sofreriam vergonha e derrota diante das outras nações. Eles ficariam tão apavorados diante do inimigo que fugiriam apenas por ouvir o som de uma folha quebrando.
O cenário descrito profeticamente é de desespero e pânico, pois refere-se ao exílio. O verso 37 diz: “e tropeçarão uns sobre os outros” ou “um por causa dos outros”. A idéia é de pessoas tão preocupadas em salvar a própria pele, em atingirem seus objetivos pessoais que esquecem-se que são “família e povo”, e que a vitória só viria como resultado de assumirem “responsabilidade uns sobre os outros”.
Ainda somos povo de Deus. O evangelho fez dos remidos pela cruz “o novo Israel de Deus”. Obediência continua sendo o coração da fé cristã. A obra do Senhor em nossas vidas fez-nos um. Logo, ‘responsabilidade mútua’ assim como ‘influência mútua’, permanecem uma realidade espiritual.
Aquilo que fazemos de nossas vidas traz consequências individuais, mas também coletivas. A forma como conduzimos nossa relação com Deus e Sua Palavra ainda promovem “bênção e maldição”, não apenas para aquele que obedece ou desobedece, mas para todos os que estão ao seu redor. Por causa do pecado de Acã todo o povo sucumbiu diante da pequenina cidade de Ai (Josué 7). O nome ‘Acã’ significa ‘encrenca’.
Ser Igreja do Senhor é algo tremendamente sério. Se, cuido ou descuido de viver na Palavra do Senhor, trago as conseqüências sobre toda a igreja. Se trilho o caminho da santidade e submissão ou o da rebelião, no mundo espiritual há todo um povo sendo influenciado, benéfica ou maléficamente.
Quando sua vida com Deus e Sua Palavra está em ordem, todo o povo é abençoado. O contrário é lamentavelmente verdade! “Sê tu uma bênção” é o chamado de todo cristão.
Reveja sua vida com Deus. Lembre-se: o que você faz com a Palavra de Deus afeta não apenas você e sua família, mas toda uma comunidade. “Um pecado escondido na terra é um escândalo aberto no céu”.
Santidade é uma decisão. Decida-se por colocar sua vida com Deus em ordem. Decida-se por recompor sua vida devocional. Decida-se por abandonar o pecado. Decida-se por dizer “eu e minha casa serviremos ao Senhor”. Sua vida correta e inteira promoverá a bênção de Deus sobre todo um povo, sobre toda uma cidade e ainda promoverá o que a Bíblia chama de “reino de Deus”: justiça, paz e alegria”.

Aprendendo a Dar de Si Mesmo

O que desejamos ensinar aos nossos filhos? Qual o legado que queremos lhes deixar como herança? Se fôssemos focar em quatro ou cinco valores que gostaríamos que fossem os pontos cardeais pelos quais eles pautariam a vida e a conduta, o que iríamos priorizar? Todo pai deseja que seu filho se pareça com ele.
Abraão, o pai da nação de Israel, ouviu de Deus que os israelitas deveriam aprender o Seu caminho (Gn.18:19), qual seja, “justiça” (tsedacá) e “juízo” (mishpá). O primeiro conceito (justiça distributiva, de distribuição) fala sobre compartilhar os bens que possuímos como forma de justiça, afinal, o que temos está em nossa posse, mas Deus é o proprietário. O segundo conceito (justiça retributiva, de retribuição) fala sobre julgar corretamente, usar a lei a favor do bem e punir os que fazem o mal para proteger os que andam na retidão.
Mas, “justiça e juízo” não perfazem a amplitude do caráter de Deus que Ele deseja ver imitado na vida de Seu povo. Deus é mais do que “um justo juiz”. O Deus da Bíblia é um Pai amoroso, cheio de ternas misericórdias pelo povo que se chama pelo Seu nome.
Por isso, em Oséias 2:19, dois outros termos são acrescentados no ‘currículo básico’ da formação espiritual dos ‘filhos de Deus’: “benignidade e misericórdia’. A Bíblia de Jerusalém traduz como ‘amor e ternura’. Os termos no hebraico são “chéssed e rachamim”. Estes dois termos vão além da justiça social que ‘doa coisas’, e também além do juízo por meio do qual julgamos justamente. “Chéssed e rachamim” tratam de dar de si mesmo. Envolve ir na direção do outro disposto a doar os bens mais preciosos que possuímos: “atenção e tempo”. Trata-se de conferir dignidade ao outro ofertando nossa própria pessoa através de atos de acolhimento, serviço e hospitalidade. É distribuir atos de bondade.
Quando o servo de Abraão sai para achar uma esposa para o filho da promessa, Isaque, ele entende que a moça que junto a fonte lhe servisse água, e ainda oferecesse aos seus camelos, tal moça seria a mulher certa para o filho do seu senhor, pois demonstraria ser bondosa (Gn.24). No momento em que Adão e Eva pecam, insurgindo-se contra Deus, eles percebem que estão nus e escondem-se com medo da ira divina. O Criador os procura arbusto por arbusto e lhes oferece peles de animais para que pudessem sentir-se mais confortáveis. Atos de amor e ternura. Resposta intencional do coração que ama diante daquele com que fez um pacto de fidelidade incondicional.
Justiça, juízo, benignidade e misericórdia. Se nos guiarmos enquanto indivíduos, famílias e comunidade por estes 4 pontos cardeais, não iremos nos desviar do caminho do Senhor. Mas, se permanecermos no esquema “economia-política-mercado-estado”, nosso caminhar na relação com o outro nunca irá além do obrigatório, conveniente e lucrativo, ou seja, seremos como a maioria dos que não conhecem a Deus, mas possuem o próprio ventre como ‘deus’.
Deus saiu do Seu conforto absoluto e veio em nossa direção. Sua entrega não foi apenas material, pois Ele deu a si mesmo de forma cabal. Suas misericórdias são para todos e Ele faz chover sobre bons e sobre maus. Isso nos fala do coração do Pai e nos entrega o Seu caráter: Ele é beatitude...o ser mais benfazejo do universo!!!
Quando Deus nos dá o privilégio de sermos chamados de Seus filhos, Sua expectativa é ver que, como filhos amados, somos Seus imitadores (Ef.5:1). E você, já tá a cara do Pai?

Cristianismo e Protesto

O comunismo rejeitou a religião chamando-a de “ópio do povo”, pois entendia que ela anestesiava a capacidade crítica do ser humano, transformando-o numa “vaquinha de presépio” diante das autoridades e situações de injustiça. Para Karl Marx acreditar em Deus impedia o homem de tornar-se um transformador da realidade, pois ter fé levava-o a entender que tudo quanto acontecia, desgraças e injustiças, era a manifestação da vontade de Deus, logo, nada há a fazer contra os desígnios divinos.
A espiritualidade da Bíblia não prega isso! Ao contrário, quando lemos a Palavra de Deus de forma correta, compreendemos que o Senhor de Israel ajuntou para si um povo disposto a protestar contra toda a injustiça e maldade. Crer em Deus não anestesia, mas torna-nos ainda mais sensíveis a dor e ao sofrimento alheio. Mais que isso, o convite do reino de Deus a todo o homem é que esteja neste mundo um agente que promova “justiça, paz e alegria”.
Quando Deus chama Abraão para tornar-se o “pai de uma nação”, ele deixa bem claro qual seria a missão deste povo que se chamaria pelo Seu nome: “Porque Eu o tenho escolhido, a fim de que ele ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, para que guardem o caminho do Senhor, para praticarem retidão (‘tesdacá’) e justiça (‘mishpat’)” (Gn.18:19).
No momento em que Abraão recebe a notícia em primeira mão e da parte do próprio Deus que Sodoma seria destruída, ele protesta diante do Senhor. Entendendo sua missão de levar toda uma nação a estar no mundo praticando justiça, pareceu a Abraão que Deus estaria sendo injusto destruindo o justo juntamente com o pecador (Gn.18:23). O senso de retidão estava tão à flor da pele que nem o Todo-Poderoso escapa de seu questionamento (18:26-32). Abraão estava errado! Não haviam nem 10 justos em Sodoma, mas mesmo sabendo disso o Eterno permitiu-se ser desafiado por seu servo. Porquê?
Não somos chamados a realizar no mundo a “justiça divina”. Somos chamados para sermos humanos inteiros. Quantos agindo em nome da justiça divina cometeram atrocidades na história da humanidade! Muito do fundamentalismo que gera o terror é produto de homens que entendem-se como o “martelo” de Deus, julgando e condenando aqueles que com eles não concordam. Mas, apesar de não compreendermos e estarmos aptos a realizar a justiça divina que é perfeita, isso não significa que devamos cruzar os braços! Se não posso resolver perfeitamente não quer dizer que não possa fazer algo para minorar o sofrimento e as desigualdades que assolam a humanidade.
A espiritualidade cristã, quando vivida em plenitude, afia o senso de justiça, amolece o coração, molha os olhos e nos move na direção do próximo com generosidade e respeito. Acredito que é por isso que até mesmo a própria criação “aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus” (Rm.8:19). Onde os filhos de Abraão caminham, retidão e justiça são os sinais de sua presença.

sábado, dezembro 13, 2008

Magnificat

O evangelista Lucas relata que Maria ficou completamente atônita (Lc.1:29) ao receber o anúncio do anjo Gabriel. Não era para menos! Ele disse que ela iria conceber e seu filho receberia três títulos: “Jesus”, que significa ‘Jeová salva’, “Filho do Altíssimo”, título reconhecidamente messiânico (Sl.2:7-8) e “Rei”, sendo que seu reino duraria para sempre. Mais ainda, o anjo lhe informou que ela seria ‘mãe’ mesmo sendo virgem e ainda não tendo terminado o período de 1 ano de noivado que antecedia o casamento. Diante de tamanha revelação e privilégio, ela compõe um cântico em louvor a Deus: o Magnificat de Maria.
Apesar da experiência de Maria ser única, sob vários aspectos é também a experiência (ou deveria ser...) de todo o cristão. O Deus que fez grandes coisas por ela também tem derramado Sua maravilhosa graça sobre nós! No v.50 ela afirma que a “misericórdia de Deus se estende aos que O temem, de geração em geração”.
Maria também canta sobre o poder de Deus invertendo os valores na vida daqueles que temessem o Messias:
1) Ele destronaria os poderosos e exaltaria os humildes. Historicamente fez isso com Faraó e Nabucodonozor, mas também se trata da maneira como Ele continua agindo na vida daqueles que se arrependem humildemente diante dEle;
2) Ele despede os ricos opressores de mãos vazias e aos famintos Ele enche de coisas boas. A esperança judaica de um rei justo e bom cumpriu-se no ministério de Jesus, e continua estendendo-se sobre o Seu povo espalhado por toda a terra, até que um dia não haverá uma só cidadezinha neste planeta onde as coisas não sejam feitas à maneira de Deus: “justiça, paz e alegria”.
Se desejamos receber as mesmas bênçãos que Maria recebeu, as qualidades que estavam presentes nela também precisam nascer em nós, principalmente duas: a) seu espírito humilde, através do qual ela submeteu-se a vontade de Deus mesmo vislumbrando o desafio de tornar-se personagem de uma história sem paralelo na caminhada humana, logo, sabia que seria alvo de controvérsias; b) mas também sua fome e sede das coisas espirituais e sua disposição de ser usada por Deus, as quais a mantiveram atenta e receptiva ao mover do Santo Espírito em sua vida.Que neste natal também estejamos grávidos da vida de Deus, e assim como Maria, sejamos os veículos do Altíssimo para trazer à luz, perante este mundo, as manifestações do poder, do caráter, da justiça e acima de tudo, do amor do Nazareno!!!

Adventus

O termo “advento” ou “adventus” em latim, antes de ser usada pelo cristianismo para lembrar o tempo de preparação necessária para a celebração do nascimento de Jesus Cristo, significava duas coisas: (a) O dia da visitação de Deus trazendo salvação aos fiéis; (b) A primeira visita oficial de uma pessoa importante para tomar posse e assumir o governo ou algum cargo importante ou, em grego “parousia” ou “epipháneia” (manifestação).
Várias vezes o Antigo Testamento fala do dia da visita ou vinda de Deus a seu povo para realizar Suas promessas (Jr.29:10; Zc.10:3, etc.). Principalmente após as experiências de exílio, o povo de Deus aguardava esse tão esperado dia de visitação espetacular que também marcaria o estabelecimento do reino definitivo de Deus.
O Novo Testamento afirma que Deus realizou esta visita na pessoa de Jesus Cristo de Nazaré. Quando Simeão vê o menino Jesus sendo apresentado no templo, ele diz: “Meus olhos já viram a salvação, que preparaste diante de todos os povos” (Lc.2:30-31).
Sim, o reino de Deus já começou a ser estabelecido na encarnação do Verbo Eterno e devemos nos preparar para entrar nele e cooperarmos com ele. João Batista, aquele que preparou o caminho para a vinda do Messias, com sua mensagem tem muito a nos ensinar sobre a devida preparação de nossas vidas para recebermos o Enviado de Deus, reconhecendo-O e tornando-nos cooperadores de Sua obra.
No evangelho de Lucas (3:1-15), diante da pregação do Batista, as multidões o interrogaram acerca de como estariam prontos para este novo tempo, a era messiânica. Disseram eles: “Que havemos pois de fazer?”. AO que João respondeu:
Ao povo em geral: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo”.
Aos publicanos (funcionários da Receita Federal de Roma, da época...), disse: “Não cobreis mais do que o estipulado”.
Aos soldados, disse: “A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo”.
Preparamo-nos, segundo João Batista, para a era messiânica ou a chegada do Messias, colocando a vida em ordem. O chamado do evangelho é essencialmente ético e visa sempre mudança de caráter.
Somos chamados onde estamos, e aí onde nos encontramos devemos manifestar que cremos que o Messias chegou. Celebramos o natal reatando relacionamentos, pagando as dívidas, perdoando quem nos ofendeu e pedindo perdão aos que magoamos.
Nestas três semanas que antecedem a celebração do nascimento de Jesus, a chegada do grande Rei de toda a terra, devemos portanto, fazer uma faxina moral: os orgulhosos deveriam se quebrantar; os egoístas abrirem a mão e a vida; os líderes assumirem a posição de servos. Afinal, Jesus nasce num lugar humilde e longe dos holofotes e apenas os humildes de coração estavam prontos para a visitação de Deus.
Oxalá, cada um de nós esteja aproveitando este tempo do advento para consagrar-se, decidindo dar a primazia em sua vida ao senhorio de Jesus e tornando-nos assim um humilde estábulo onde a glória de Deus voltará a manifestar-se, só que agora, em nossas atitudes.

sábado, novembro 01, 2008

Por Que Tanta Dívida?

Contradizendo nosso querido Presidente Lula, a dívida Americana desembarcou em nossos portos e parece que não levanta âncora tão cedo. A economia brasileira que andava saudável “como nunca antes na história deste país”, foi atingida em cheio e está cambaleante, deixando economistas, autoridades e gente comum sem saber no que vai dar.
Qual foi o problema dos nossos vizinhos de cima, os norte americanos? Que rombo foi esse que o mundo inteiro está tendo que sacar do pé-de-meia pra poder cobrir?
Bem, na verdade, com base numa promessa que não se cumpriu, que dizia que “Sua casa de 100 mil hoje vai valer 300 mil amanhã, então, pegue um empréstimo de 200 mil”. Mas a “casa caiu”, e quando o amanhã chegou, a casa de 100 mil continuava valendo 100 mil e não havia como pagar os 200 mil. Imagine isto acontecendo numa escala de milhões de pessoas? Daí o caos no sistema financeiro americano: quem emprestou queria receber e quem tomou emprestado não tinha como pagar.
Trata-se de um velho problema alimentado pelo capitalismo: querer viver com mais do que se precisa, endividar-se para pagar às aparência e depois não conseguir pagar as dívidas. Por aqui sofremos do mesmo mal. Quantas famílias já chegando ao fim do ano endividados até o meio de 2009? Quantos não tendo como pagar os cartões de crédito, fáceis de tirar, mas difíceis de pagar? Quantos irmãos sendo infiéis a Deus porque foram fiéis a “mamom” (deus-dinheiro)?
O problema é espiritual! Insatisfeitos com o que se tem, busca-se cada vez mais, na ilusão de que a felicidade vem pela via do consumo. Assim, compra-se o que não se precisa com o dinheiro que não se possui. A alegria e a paz, distintivas do caráter cristão ficam comprometidas e famílias inteiras são abaladas.
Precisamos pedir ao Pai sabedoria e serenidade. Em tempos de recursos escassos, deve-se fugir das dívidas longas e dos investimentos muito ousados. Deixemos isto para os “reis da fortuna”, gente que possui milhões de dólares, e se perderem algum, não fará a menor falta.
Quem não se contenta com o que possui, seja muito ou pouco, estará sempre insatisfeito! Precisamos pedir a Deus ajuda para sabermos ser felizes com aquilo que já possuímos, pois do contrário, precisaremos gastar cada vez mais na ilusão de que “ainda nos falta algo para sermos felizes”.

Falta De Recursos

Vivemos num tempo de escassês, tanto material como moral. O primeiro tipo tem sido defendido amplamente, portanto não vou gastar tempo aqui. O segundo tipo de pobreza, a falta de valores, tá apanhando feio no canto do ringue, e aqui saio a defendê-la.
Lembro-me de ter recebido algum ensino de moralidade no ensino médio (na época 2º grau...) por meio de duas matérias: Moral e Cívica e Estudo dos Problemas Brasileiros ou Estudos Sociais. Não me lembro de nada das duas, apenas que eram minhas aulas mais chatas. Com ambas extintas, formou-se ou apenas oficializou-se um vácuo no ensino moral nos currículos de nossas escolas brasileiras.
Hoje, por meio dos novos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais), o MEC (Min. de Educação e Cultura) órgão educacional do Governo Brasileiro, tem tentado resgatar o grande prejuízo na formação moral de gerações. Voltou-se a falar que não queremos apenas um cidadão competente, mas também uma pessoa moralmente equilibrada.
Carecemos de inteligência moral. Nossos jovens e outros tantos já adultos sofrem de analfabetismo de moralidade. A inteligência não foi treinada para o bem e a educação nos últimos anos não trabalhou para desenvolver a consciência dos valores fundamentais desejáveis. Segue-se o "raciocínio situacional", ou seja, define-se o que é o moralmente correto de acordo com aquilo que for o melhor para cada um. “Cada cabeça uma sentença”, alguém diria.
Numa sociedade democrática e plural, não adiante tentar resolver esta situação com a imposição de valores. É necessário dialogar, convencer racionalmente e acima de tudo sermos um exemplo de pessoas moralmente saudáveis e felizes.
Não poucos têm a idéia errada de que os mandamentos da Bíblia só servem para nos fazer infelizes. Pensa-se em Deus como “o-grande-estraga-prazeres-do-universo”. Entretanto, se Cristo era realmente quem disse que era - Deus encarnado - toda sua vida, ética, conduta e posicionamentos são a manifestação mais pura daquilo que de fato é a realidade. Sendo Deus, seus pensamentos eram perfeitos e sua conduta, o caminho para uma vida feliz. Logo, imitar a Cristo é a estratégia para uma vida sábia e impregnada de sentido e significado.
Os maiores problemas de nossa sociedade não são “técnicos-instrumetais”, mas morais. A questão não é a falta de conhecimento, mas de caráter e coração. Estamos tropeçando, enquanto humanidade, no mal funcionamento de nossa inteligência moral. Ainda aposta-se na corrupção, orgulho, individualismo, na maledicência, na utilização errada da sexualidade, na dificuldade para perdoar, etc, como “atalhos para a felicidade”.
Somos seres morais e enquanto negarmos isto, estaremos rumando para os abismos de uma vida na qual nunca experimentaremos satisfação. Ninguém mais agüenta o “moralismo imposto” sob a ameaça de um Deus que manda para o inferno. Temos que resgatar que Cristo não era apenas “bonzinho e religioso”, mas também uma mente perfeita na análise da realidade. Ouví-lO e obedecê-lo não tem a ver apenas com ser “religioso”, mas inteligente e sábio. Os princípios que Ele ensinou e viveu são guias seguros para uma vida que experimentará felicidade acima da média. Os recursos morais de que nossa sociedade desesperadamente precisa, encontram-se em abundância nas riquezas de Cristo.

Pensando Em Desistir?

Por vezes sou questionado com perguntas deste tipo: “você já pensou em desistir?”; “Alguma vez te passou pela cabeça abandonar a fé?”. As pessoas fazem perguntas a partir daquilo que estão sentindo. Quando queremos saber dos outros, na verdade, queremos é entender o funcionamento de nosso próprio coração.
Geralmente respondo a estas pessoas assim: “bem-vindo a raça humana!!!”. Claro que por vezes me sinto profundamente desanimado! Em parte, por minha própria personalidade muito reflexiva e introspectiva. Em parte, por que sou tão humano quanto qualquer um, e críticas desanimam; a falta de compromisso de nossos pares arrefece nosso ardor; a incompreensão e falta de amizade são espinhos que estouram o balão de nossa alegria. Minha bola está ás vezes tão esfacelada que acho que não vai dar nem pra fazer bolinha pequena chupando o pedacinho partido da bexiga colocada sobre o dedo indicador...
Onde reencontro forças? Porque Deus tem me concedido a alegria e fervor renovados de servi-lO por quase 15 anos como pastor e pelo menos 30 anos como cristão? Onde mato minha sede e refaço-me das agruras da vida? Algumas sementes de reflexão que espero lhe sirvam de refresco em meio ao deserto do desânimo:
1) Aprendi a não mudar o rumo quando estou confuso. Os momentos de fraquejo nos deixam desorientados e com vontade de partir. Já escrevi algumas vezes minha carta demissória. Não entreguei. Ajoelhei-me. Entreguei-me. Fui dormir. Na hora da confusão, nada de decisão!!!
2) Aprendi a aceitar meus erros. Por vezes somos os mais cruéis algozes com nossos próprios erros. Trancamo-nos na masmorra da culpa e açoitamo-nos com o chicote da intolerância. Sangramos lamento. Nascem fístulas de ódio de si mesmo. Erro de verdade é só aquele com o qual nada aprendemos. Aprendeu algo? Foi lição, aula de vida...não se leve tão a sério!
3) Aprendi a descansar quanto aos resultados. As pessoas querem sempre mais. Somos o tempo todo medidos por desempenho. Já ouvi muito a frase: “mas eu tive um pastor que não era assim” ou “na minha outra igreja fazíamos de outro jeito”. Atingir as expectativas de todos é suicídio da personalidade. Cristo age de mil maneiras. A graça é multiforme. Deus é quem nos julga. Faça a sua parte. A graça completará o serviço.
4) Aprendi a perdoar. Quando estamos frágeis ficamos também mais melindrosos. É verdade que as pessoas nos machucam, falam coisas tolas e injustas. É assim mesmo. São tão pecadores como você e eu. Também ofendi muito a Deus, e a outros. Abrir mão do rancor faz a alegria renascer em nosso peito. Livre-se dos andrajos da amargura. Coloque a roupa nova e limpa do amor incondicional. Perdoe, perdoe, perdoe...viva!
5) Aprendi que felicidade é o jeito como se vai. Mais importante que os resultados, é o processo. Ás vezes torcemos tanto para que um momento chegue, mas algo dá errado, e nosso ideal desce pelo ralo. Felicidade é o somatório dos bons momentos. Curta a graça nos detalhes: “O dia pode tá ruim, mas que café gostoso!”; “O projeto não deu certo, mas demos boas risadas”; “Ainda não temos casa própria, mas que sorriso lindo minha esposa tem”. Quem marca data pra ser feliz vai estar sempre correndo atrás do prejuízo cobrado na fatura da insatisfação.
Aprendi, enfim, que o desânimo é passageiro e a graça de Deus é o que perdura. Quem chuta o balde sem pensar acaba fazendo besteira e perdendo o bonde de Deus na própria vida. Deixar a fé? Como disse o nosso querido Pedrão: “Para quem iremos nós? Só Tu tens as palavras de vida eterna!”. Perseverar é um hábito que a mente aprende motivada pela fé. Aprender a perseverar na vida cristã, é recusar-se a deixar o caminho de Jesus. Caiu? Levanta! A graça nos conduzirá se firmarmos nossos passos, com a amizade dos irmãos e os olhos fitos no autor e consumador de nossa fé: Jesus Cristo de Nazaré!!!

O Shabbath E A Graça

A guarda do sábado está no centro de toda a espiritualidade cristã, entendendo-a como um princípio de vida e não como uma regra a ser seguida ao pé da letra. Quando adotamos a prática de guardar um tempo a cada semana para fazer uma pausa, estamos abrindo espaço em nossa vida para a graça de Deus.
No sábado, o povo judeu nada fazia, pois entendia que “tudo” já havia sido feito, mesmo que não estivesse. O judeu guardava o sábado como um ato de obediência, mas também de adoração e surpresa diante de tudo quanto Deus lhe havia concedido. Era um dia para estar à disposição de Deus e dos amados do coração.
Temos a tendência, depois de um tempo, de nos acostumarmos com as coisas e então deixarmos de notá-las. No início do romance, ficamos maravilhados com os diferentes tons de cor nos olhos de nossa amada sob determinado reflexo do sol sobre sua retina. Depois de um tempo, conversamos com ela sem nem ao menos olhá-la. Perdemos o “maravilhar”, tornamo-nos sonâmbulos no amor.
O shabbath para o povo de Deus tinha o objetivo de fazê-los “parar e olhar, dar atenção”. Era um dia para dizer “obrigado”. A simples admiração diante da vida, da criação, do lugar onde habitavam exigia uma resposta, um agradecimento, um shabbath. Ao resgatarmos o estilo de vida sabático estamos afirmando que não precisamos de mais nada para ser gratos. Somos gratos. Já recebemos muito, quando nada merecíamos. Trata-se de um dia para dizer que “estamos satisfeitos”. É dar um basta na febre que adoece a alma e a faz arder a todo instante atrás da última novidade. É pisar fundo no freio do carro em alta velocidade chamado “diversão-distração-dispersão”. É um dia em que perguntamos, já sugerindo a resposta adequada: “porque não nada?”. Isso é treinar o coração para perceber a bondade de Deus.
O mandamento diz “guarda o sábado para o santificar”. A verdadeira santificação exige uma vida com pausa. Não se torna uma pessoa espiritual, santa, separada para Deus, andando rápido demais. Há um jargão que devia ser revisto que diz: ‘Deus não usa os desocupados’. Não sei não, acho que não é bem assim. Davi tinha tempo para compor poemas. A meditação (tempo separado para deixar a Palavra germinar em nossa mente...uma atividade intelectual-moral intencionalmente praticada...) é sugerida por toda a Bíblia para os que desejam ser usados por Deus. Jesus cavava em sua agenda messiânica a todo instante, momentos a sós com o Pai, às vezes uma noite inteira.
Penso que Deus precisa de pessoas que saibam fazer pausas. Gente que não se sinta incompetente e ou preguiçosa ao tirar umas horas, uma tarde ou mesmo um dia inteiro para celebrar. Deus precisa de pessoas que saibam colocar em suas agendas tempo para o ócio criativo, onde a alma, à disposição do Espírito, poderá ser restaurada e tornar-se novamente fecunda para Deus, o próximo e para a Igreja.
Quando paramos e desfrutamos daquilo que o Senhor já nos deu, estamos anunciando a salvação pela fé. Parar e desfrutar, é um ato de confiança. O shabbath, expressa o descansar no trabalho e nas realizações de Deus, na justificação pela fé, na obra perfeita de Cristo na Cruz.Saber parar e descansar é um testemunho de fé num mundo viciado em agitação e barulho. É desfrutar das infinitas riquezas da graça, concedidas a todos gratuitamente, em Jesus. Praticar a desaceleração orientada pela guarda do sábado, é estar no mundo como uma testemunha viva da felicidade que só podemos encontrar no amor incondicional – não comprado e nem merecido, mas doado – de Deus em Cristo Jesus. Acho que daí vem o termo “vida desgraçada”: viver sem dar atenção a graça.

Independência Moral

Virou moda no discurso de nossos políticos o termo “choque administrativo”, que significa uma série de medidas organizacionais visando um melhor funcionamento do aparelho público, ou seja, mais resultados com menos gastos. Concordo, mas também entendo que necessitamos urgentemente de políticos dispostos a empreenderem um choque ético ou moral na vida pública de nossa nação.
Nosso problema fundamental não é a incompetência, fruto de mal preparo ou desconhecimento teórico. É claro que esta questão também existe, mas afirmo: não é nosso principal problema! Vivemos uma época de analfabetismo moral! Nossos problemas não estão na defasagem do raciocínio, mas sim do caráter e dos valores fundamentais que deveriam ornar a conduta de cada cidadão. O conhecimento moral está desaparecendo!
É claro, moralismo é algo indesejável. Um mero “kit” de regras e proibições fomentará ainda mais o comportamento contrário. Não precisamos de “ditadores” morais, mas de homens públicos que sejam “educadores de valores” por meio da conduta pública e particular.
No próximo mês elegeremos homens e mulheres para cargos da vida pública municipal. Urge compreendermos que a competência administrativa é apenas um dos quesitos que deveriam levar nosso dedinho a apertar “CONFIRMA” na urna eletrônica. Projeto político é importante conhecer sim, mas o projeto pessoal de vida também. “Quem é o candidato?; Como lida com sua família? O que as pessoas mais próximas dele dizem?” São questões também fundamentais para escolhermos nossos candidatos. Pelo menos deveria.
Sócrates, filósofo grego, afirmou: “Todas as instituições humanas, de ensino, da política, do estado, etc., são ramos da ética, pois todas têm alguma coisa a ver com a atuação do homem dentro da sociedade”. Isso é sério e verdadeiro. Nossos filhos não são formados moralmente apenas pelas instituições nas quais estão diretamente inseridos (escola, igreja, etc.). Há um contexto maior de instituições que também moldam o caráter de nossos jovens (estado, município, agremiações esportivas, etc.).
Oxalá, neste 7 de setembro estejamos levantando um clamor aos céus pela vida moral de nossa nação. A Bíblia diz que “todo aquele que comete pecado é escravo do pecado”. Que a independência de nossa nação não seja meramente política, mas que também possamos ver levantarem-se na vida pública de nossa nação homens honrados, com decência moral, respeitados por sua família e por todos de seu convívio íntimo. Afinal, governará bem um povo aquele a quem nem a própria família e amigos respeitam?

Fraqueza De Deus

Boa parte do ateísmo contemporâneo baseia-se na objeção enunciada com muita força no passado por J. P. Sartre e retomada pelos seus discípulos: “Se Deus existe, eu não sou nada”.
Se existe um Deus onipotente, o que ainda sobra para mim? Essa presença ao meu lado do poder absoluto torna irrisórias todas as minhas ações. Diante do infinito, todo o finito torna-se irrelevante. Há muitas maneiras de enunciar o argumento.
A objeção foi formulada desde a Idade Média, mas não conseguiu convencer. A resposta diz que Deus e o homem não se situam no mesmo plano, como duas liberdades em competição.
A resposta não convenceu porque durante séculos os teólogos debateram a questão da predestinação, isto é, da compatibilidade entre a liberdade de Deus todo-poderoso e a liberdade humana. Assim fazendo, situaram no mesmo plano as duas liberdades. Se os teólogos – tomistas, dominicanos e jesuítas – tomaram essa posição durantes séculos, não é estranho que filósofos façam a mesma coisa.
De qualquer maneira, a pessoa sente tantas vezes o conflito entre a sua vontade, o seu desejo e o que diz que é a vontade de Deus, que a reação parece inevitável. Os sartreanos sustentam que, para ser livre, é necessário negar a existência de Deus. Infelizmente para eles, Deus não depende das negações ou das afirmações de Sartre.
A verdadeira resposta está na fraqueza de Deus. O nosso Deus é um Deus “escondido” – tema constante da tradição espiritual cristã.
É um Deus que se manifesta no meio da nuvem, que se faz perceptível, mas não impõe a sua presença.
A liberdade consiste justamente nisto: diante do outro, a pessoa pára, reconhece e aceita que exista. Abre espaço, acolhe. Longe de dominar, escuta e permite que o outro fale primeiro. Assim Deus suspende o poder de Deus.
Nenhuma evidência, nenhuma ameaça, nenhum constrangimento força nem obriga. Deus permite e deixa fazer. Deus respeita o outro na sua alteridade e permite, até mesmo, que o outro se destrua sem intervir. A liberdade de Deus consiste em permitir e ajudar a liberdade do menor dos seres humanos. A liberdade de Deus reprime o poder. Torna-se fraca para que possa manifestar-se a força humana.
O hino de Filipenses 2.6-11, núcleo da cristologia paulina, expressa essa fraqueza de Deus. Pois o aniquilamento de Jesus incluía o aniquilamento do Pai: "Esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de escravo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi desobediente até a morte, e morte de cruz!” (Fl 2.7-8).
Deus escondeu o seu poder até a ponto de as autoridades de Israel não o reconhecerem. É desta maneira que Deus se dirige às pessoas: sem intimidação, sem poder, na dependência de seres humanos, entregando a própria vida nas mãos de criminosos. Quem dirá que dessa maneira Deus faz violência às pessoas?
Como comentou Levinas, o outro é o desafio da liberdade, a provocação que a desperta. Diante do outro há duas atitudes: examiná-lo para ver em que ele me poderia ser útil ou qual é a ameaça que representa para mim, ou então, perguntar-me o que eu poderia fazer para ajudá-lo.
A liberdade de Deus autolimita-se. Diante da sua criatura, Deus limita sua presença. Deus preferiu antes deixar que crucificassem o seu Filho a intervir para impedir tal justiça. Trata-se de fraqueza voluntária.
É verdade que durante muitos séculos, sobretudo na pregação popular, os pregadores apresentaram uma concepção bem diferente de Deus. Usaram temas e comportamentos da religião popular tradicional: medo diante do trovão, medo da seca e de cataclismos naturais – entendidos como castigos divinos –, medo das doenças recebidas também como castigos e assim por diante.
Era fácil despertar o temor a partir de idéias puramente pagãs ou supersticiosas. Essa pregação de terrorismo religioso podia dar resultados imediatos, levando milhares de pessoas aos sacramentos. A longo prazo, porém, destruíram as bases da credibilidade da Igreja. Hoje a maioria das pessoas deixaram de ter medo do trovão, não sendo mais motivo para temer a Deus, como foi no passado. Naquele tempo achou-se válido o método do temor, todavia hoje recolhe-se os frutos dessa pastoral.
Pensou-se que os povos precisassem temer um Deus forte – e desprezariam um Deus fraco. Tais erros se pagam cedo ou tarde. Estamos pagando hoje esse preço.
Deus torna-se fraco porque ama. Quem mais ama é sempre mais fraco. Não será essa a grande característica das mulheres? Quase sempre amam mais, e, por isso, sofrem mais. Porém, nessa fraqueza consentida não estará a maior liberdade?
Nessa fraqueza a pessoa vence todo o egoísmo, todo o desejo de prevalecer, toda a preguiça de aceitar maiores desafios. Exige mais de si própria, vai mais longe, além das suas forças. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (João 15.13). Aí está também a expressão suprema da liberdade.
A fraqueza de Deus vai até a ponto de se tornar suplicante. O versículo predileto do saudoso teólogo latino-americano Juan Luís Segundo diz; “Eis que estou batendo na porta: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo (Apocalipse 3.20).
Deus bate na porta e aguarda. Se não é atendido, afasta-se e continua o caminho. Somente entra se é convidado. Depende do convite da pessoa. Deus torna-se pedinte, suplicante.

José Comblin