sábado, agosto 08, 2009

Bondade Com Estranhos

“Trabalhem para o bem da cidade onde Eu os mandei como prisioneiros (exílio). Orem a mim, pedindo em favor dela, pois, se ela estiver bem, vocês também estarão” (NTLH) (Jr. 29:7)

A Bíblia fala sobre a “paz” sob dois aspectos: 1) A paz perfeita (Is.2:4; Mq.4:4); mas também sobre a 2) Paz possível (Jr.29:7)...estamos falando sobre o segundo tipo – um projeto de paz para um mundo não redimido...
Os que mostram coragem nos campos de batalhas são condecorados com medalhas, mas os que promovem a paz são quase sempre assassinados...porquê?
A paz é percebida como uma forma de traição...nos lugares onde há conflito (há em todo lugar...), este contribui para nosso senso de identidade (“nós e eles”), e “fazer paz” pode provocar um profundo abalo no senso de identidade...
Quando temos falado de 'tsedacá' (“justiça-social”, distributiva...), 'mishpá' (“justiça” retributiva...), 'chéssed' (“atos de bondade”) e 'rachamim' (“compaixão”), estamos falando da bondade ‘aqui-e-agora’, o bem e a justiça que estão em minha mão fazê-los...
Mas, a quem devemos isso? Aos domésticos da fé? Aos que entram para nossa igreja? Bem, também, mas não apenas...quem é o nosso próximo? Aquele que tenho a oportunidade de enxergar o sofrimento...
Na Lei de Deus haviam preceitos de “justiça e bondade” até para com o estrangeiro que habitava em Israel (Lv.25:35, 47) – “amar o estrangeiro” é repetido 36 vz no Pentateuco...
É digno de nota que tais mandamentos deveriam ser mantidos mesmo que no exílio, pois serviriam para preservar a identidade do povo judeu...mesmo sem terem o poder político e a autonomia religiosa...
Na mente do povo judeu atos de bondade não precisavam de uma “bênção” para serem abençoados...já eram em si abençoados!!!
Atos de bondade redimem da solidão a alma humana e a traz de volta ao mundo dos vivos aqueles que sofrem...seis mil idiomas são falados ao redor do mundo, mas o mais universal é o “idioma das lágrimas”...
A uma história que ilustra bem isso. Trata-se de uma história triste, de uma família judia que teve de deixar Israel para ir atrás de trabalho, e quando lá estavam, morrem pai e dois filhos, deixando uma mãe viúva e duas noras viúvas que não eram judias. Nesse momento a sogra as libera para que voltem a seus país e casam-se novamente. Um delas se recusa e diz que seguiria a sogra para onde quer que fosse...elas volta para Israel e a sogra lembra-se de um parente distante que poderia empregar sua ‘nora fiel’...a jovem vai até ele e além de conseguir um emprego consegue um marido...admirada com tanta bondade por uma estranha, ela questiona porque a trataram assim (Rute 2:10). Trata-se de uma história tão preciosa de bondade com estranhos que o nome de Ruth até virou um termo em inglês que não existem mais – ‘ruthless’ = ‘implacável, cruel, desumano’; ‘ruth’ – ‘bondade, benignidade, benevolência’.
A história de Ruth fala sobre a bondade que supera as diferenças, o preconceito, o medo...a bondade que levou àquele casamento gerou frutos...7 gerações depois nasce o Rei Davi...donde também veio ao mundo Jesus Cristo, nosso mestre bondoso!!!

terça-feira, agosto 04, 2009

Antes do Nome

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás", o "o", o "porém" e o "que",
esta incompreensível muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

Adélia Prado

Bilhete da Ousada Donzela

Jonathan,
há nazistas desconfiados.
Põe aquela sua camisa que eu detesto - comprada no Bazar Marrocos -e venha como se fosse pra consertar meu chuveiro.
Aproveita na terça que meu pai vai com minha mãe visitar tia Quita no Lajeado.
Se mudarem de idéia, mando novo bilhete.
Venha sem guarda-chuva - mesmo se estiver chovendo - Não agüento mais tio Emílio que sabe e finge não saber que te namoro escondido e vive te pondo apelidos.
O que você disse outro dia na festa dos pecuaristas até hoje soa igual música tocando no meu ouvido: "Não paro de pensar em você."
Eu também, Natinho, nem um minuto.
Na terça, às duas da tarde, hora em que se o mundo acabar eu nem vejo.

Com aflição,

Antônia

Adélia Prado

Ausência de Poesia

Aquele que me fez me tirou da abastança,
Há quarenta dias me oprime do deserto.
(...) Ó Deus de Bilac, Abraão e Jacó, Esta hora cruel não passa?
Me tira desta areia, ó Espírito,
Redime estas palavras do seu pó.

Adélia Prado

Janela

Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada, janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você, meu pé esbarra no chão.
Janela sobre o mundo aberta, por onde vio casamento da Anita esperando neném, a mãe do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai: minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela,
brincadeira de ladrão,
clarabóia na minha alma,
olho no meu coração.

Adélia Prado

O Poeta Ficou Cansado

Pois não quero mais ser Teu arauto.
Já que todos têm voz, por que só eu devo tomar navios de rota que não escolhi?
Por que não gritas, Tu mesmo, a miraculosa trama dos teares, já que Tua voz reboa nos quatro cantos do mundo?
Tudo progrediu na terra e insistes em caixeiros-viajantes de porta em porta, a cavalo! (...)
Ó Deus,me deixa trabalhar na cozinha, (...)

Adélia Prado

Amor Feinho

Eu quero amor feinho. Amor feinho não olha um pro outro. Uma vez encontrado, é igual fé,não teologa mais. Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo e filhos tem os quantos haja. Tudo que não fala, faz. Planta beijo de três cores ao redor da casae saudade roxa e branca,da comum e da dobrada. Amor feinho é bom porque não fica velho. Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é: eu sou homem você é mulher. Amor feinho não tem ilusão,o que ele tem é esperança: eu quero amor feinho.

Adélia Prado

Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 252.

À Gosto de Deus

A expressão “à gosto de Deus” tornou-se o jargão usado para explicar a falta de definição em alguma área de nossas vidas. Exemplo: “e aí, já marcaram o casamento?”, e a resposta quando indefinida: “Ah, vai ser em agosto, à gosto de Deus...”, colocação que geralmente provoca sorrisos. Por vezes esta expressão tem o sabor de que ‘nada está acontecendo’, um sabor amargo na boca de quem o sente, e por isso, apressados, achamos sempre que temos que realizar mais alguma tarefa, conhecer mais uma pessoa, pois a ‘felicidade’ está sempre naquilo que ‘ainda irá acontecer’.
Estamos em agosto, digo o oitavo mês dos doze que compõem este ano que estamos vivendo, 2009. Passou rápido e assim vai a vida. Como disse Salomão ‘ela passa e nós voamos’. Isto caracteriza o tempo ‘cronos’ (tempo humano, contado pelo relógio...), sua fugacidade e impermanência. Quando pensamos que o temos, ele já se foi.
Vivemos no desespero do relógio. Queremos realizar projetos e estar com pessoas; traçamos planos e estabelecemos metas na esperança de estarmos aproveitando bem o tempo. Mas, como ‘cronos’ era também aquele ‘deus grego’ que devorava seus filhos, em muitos momentos somos engolidos pela sensação do despercício e da insignificância: “minha vida e sua realizações têm tido algum valor?”, perguntamo-nos.
A espiritualidade bíblica é um convite a vivermos num outro ritmo chamado ‘kairós’, ou seja, ‘o tempo aceitável de Deus’, o momento em que percebemos a ação de Deus em nossa história, salvando, perdoando, redimindo e estabelecendo Seu reino em meio às nossas atividades cotidianas. São aqueles instantes em que percebemos uma certa sincronicidade entre este mundo e o vindouro, e como Jacó dizemos: “este lugar é realmente a casa de Deus e eu não sabia”. Trata-se daqueles momentos em que, tal qual Maria, percebemos que o mais importante é nos quedarmos aos pés de Jesus ao invés de realizarmos qualquer outra atividade como ‘Marta’, que repleta do sentido de urgência do que tinha que ser realizado, perdeu toda a beleza daquele momento em que o Deus-encarnado visitava sua casa. Marta perdeu o assombro; acostumou-se com o sagrado. Tornou-se escrava do tempo!
Meu amado irmão (ã), minha prece é que o ‘mês de agosto’ seja o tempo aceitável de Deus em sua vida, mas este é o mesmo potencial dos meses que se passaram! Não precisamos, necessariamente, de nenhuma ‘grande’ realização ou acontecimento. Trata-se de percebermos a “Presença” conosco ‘aqui e agora’. Envolve mudança de ‘olhar’. Jesus disse: ‘Se teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luz’.
Abra os olhos da fé e veja! Há graça em abundância em cada circunstância e hora de sua vida. Para os gregos às horas eram ‘anjos’ e cada um trazia uma mensagem de Deus. Decida crer! Decida confiar! Decida obedecer! Decida regozijar-se! Este é o tempo aceitável de Deus para sua vida: ‘o mês de agosto’!!! E assim também será setembro, outubro, novembro...todos com gosto de Deus!!!

Tropeçaram Uns Sobre Os Outros

No texto de Levítico 26:36-37 Moisés está relatando ao povo as consequências de levarem ou não a sério o pacto que fizeram com Deus. Ele fala de ‘bênçãos e maldições’ diante da ‘obediência ou desobediência’ à Palavra de Deus. Ali o líder dos judeus parece ser mais minuncioso em falar das maldições. Ele explica que parte do que aconteceria por não serem fiéis ao pacto é que sofreriam vergonha e derrota diante das outras nações. Eles ficariam tão apavorados diante do inimigo que fugiriam apenas por ouvir o som de uma folha quebrando.
O cenário descrito profeticamente é de desespero e pânico, pois refere-se ao exílio. O verso 37 diz: “e tropeçarão uns sobre os outros” ou “um por causa dos outros”. A idéia é de pessoas tão preocupadas em salvar a própria pele, em atingirem seus objetivos pessoais que esquecem-se que são “família e povo”, e que a vitória só viria como resultado de assumirem “responsabilidade uns sobre os outros”.
Ainda somos povo de Deus. O evangelho fez dos remidos pela cruz “o novo Israel de Deus”. Obediência continua sendo o coração da fé cristã. A obra do Senhor em nossas vidas fez-nos um. Logo, ‘responsabilidade mútua’ assim como ‘influência mútua’, permanecem uma realidade espiritual.
Aquilo que fazemos de nossas vidas traz consequências individuais, mas também coletivas. A forma como conduzimos nossa relação com Deus e Sua Palavra ainda promovem “bênção e maldição”, não apenas para aquele que obedece ou desobedece, mas para todos os que estão ao seu redor. Por causa do pecado de Acã todo o povo sucumbiu diante da pequenina cidade de Ai (Josué 7). O nome ‘Acã’ significa ‘encrenca’.
Ser Igreja do Senhor é algo tremendamente sério. Se, cuido ou descuido de viver na Palavra do Senhor, trago as conseqüências sobre toda a igreja. Se trilho o caminho da santidade e submissão ou o da rebelião, no mundo espiritual há todo um povo sendo influenciado, benéfica ou maléficamente.
Quando sua vida com Deus e Sua Palavra está em ordem, todo o povo é abençoado. O contrário é lamentavelmente verdade! “Sê tu uma bênção” é o chamado de todo cristão.
Reveja sua vida com Deus. Lembre-se: o que você faz com a Palavra de Deus afeta não apenas você e sua família, mas toda uma comunidade. “Um pecado escondido na terra é um escândalo aberto no céu”.
Santidade é uma decisão. Decida-se por colocar sua vida com Deus em ordem. Decida-se por recompor sua vida devocional. Decida-se por abandonar o pecado. Decida-se por dizer “eu e minha casa serviremos ao Senhor”. Sua vida correta e inteira promoverá a bênção de Deus sobre todo um povo, sobre toda uma cidade e ainda promoverá o que a Bíblia chama de “reino de Deus”: justiça, paz e alegria”.

Aprendendo a Dar de Si Mesmo

O que desejamos ensinar aos nossos filhos? Qual o legado que queremos lhes deixar como herança? Se fôssemos focar em quatro ou cinco valores que gostaríamos que fossem os pontos cardeais pelos quais eles pautariam a vida e a conduta, o que iríamos priorizar? Todo pai deseja que seu filho se pareça com ele.
Abraão, o pai da nação de Israel, ouviu de Deus que os israelitas deveriam aprender o Seu caminho (Gn.18:19), qual seja, “justiça” (tsedacá) e “juízo” (mishpá). O primeiro conceito (justiça distributiva, de distribuição) fala sobre compartilhar os bens que possuímos como forma de justiça, afinal, o que temos está em nossa posse, mas Deus é o proprietário. O segundo conceito (justiça retributiva, de retribuição) fala sobre julgar corretamente, usar a lei a favor do bem e punir os que fazem o mal para proteger os que andam na retidão.
Mas, “justiça e juízo” não perfazem a amplitude do caráter de Deus que Ele deseja ver imitado na vida de Seu povo. Deus é mais do que “um justo juiz”. O Deus da Bíblia é um Pai amoroso, cheio de ternas misericórdias pelo povo que se chama pelo Seu nome.
Por isso, em Oséias 2:19, dois outros termos são acrescentados no ‘currículo básico’ da formação espiritual dos ‘filhos de Deus’: “benignidade e misericórdia’. A Bíblia de Jerusalém traduz como ‘amor e ternura’. Os termos no hebraico são “chéssed e rachamim”. Estes dois termos vão além da justiça social que ‘doa coisas’, e também além do juízo por meio do qual julgamos justamente. “Chéssed e rachamim” tratam de dar de si mesmo. Envolve ir na direção do outro disposto a doar os bens mais preciosos que possuímos: “atenção e tempo”. Trata-se de conferir dignidade ao outro ofertando nossa própria pessoa através de atos de acolhimento, serviço e hospitalidade. É distribuir atos de bondade.
Quando o servo de Abraão sai para achar uma esposa para o filho da promessa, Isaque, ele entende que a moça que junto a fonte lhe servisse água, e ainda oferecesse aos seus camelos, tal moça seria a mulher certa para o filho do seu senhor, pois demonstraria ser bondosa (Gn.24). No momento em que Adão e Eva pecam, insurgindo-se contra Deus, eles percebem que estão nus e escondem-se com medo da ira divina. O Criador os procura arbusto por arbusto e lhes oferece peles de animais para que pudessem sentir-se mais confortáveis. Atos de amor e ternura. Resposta intencional do coração que ama diante daquele com que fez um pacto de fidelidade incondicional.
Justiça, juízo, benignidade e misericórdia. Se nos guiarmos enquanto indivíduos, famílias e comunidade por estes 4 pontos cardeais, não iremos nos desviar do caminho do Senhor. Mas, se permanecermos no esquema “economia-política-mercado-estado”, nosso caminhar na relação com o outro nunca irá além do obrigatório, conveniente e lucrativo, ou seja, seremos como a maioria dos que não conhecem a Deus, mas possuem o próprio ventre como ‘deus’.
Deus saiu do Seu conforto absoluto e veio em nossa direção. Sua entrega não foi apenas material, pois Ele deu a si mesmo de forma cabal. Suas misericórdias são para todos e Ele faz chover sobre bons e sobre maus. Isso nos fala do coração do Pai e nos entrega o Seu caráter: Ele é beatitude...o ser mais benfazejo do universo!!!
Quando Deus nos dá o privilégio de sermos chamados de Seus filhos, Sua expectativa é ver que, como filhos amados, somos Seus imitadores (Ef.5:1). E você, já tá a cara do Pai?

Cristianismo e Protesto

O comunismo rejeitou a religião chamando-a de “ópio do povo”, pois entendia que ela anestesiava a capacidade crítica do ser humano, transformando-o numa “vaquinha de presépio” diante das autoridades e situações de injustiça. Para Karl Marx acreditar em Deus impedia o homem de tornar-se um transformador da realidade, pois ter fé levava-o a entender que tudo quanto acontecia, desgraças e injustiças, era a manifestação da vontade de Deus, logo, nada há a fazer contra os desígnios divinos.
A espiritualidade da Bíblia não prega isso! Ao contrário, quando lemos a Palavra de Deus de forma correta, compreendemos que o Senhor de Israel ajuntou para si um povo disposto a protestar contra toda a injustiça e maldade. Crer em Deus não anestesia, mas torna-nos ainda mais sensíveis a dor e ao sofrimento alheio. Mais que isso, o convite do reino de Deus a todo o homem é que esteja neste mundo um agente que promova “justiça, paz e alegria”.
Quando Deus chama Abraão para tornar-se o “pai de uma nação”, ele deixa bem claro qual seria a missão deste povo que se chamaria pelo Seu nome: “Porque Eu o tenho escolhido, a fim de que ele ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, para que guardem o caminho do Senhor, para praticarem retidão (‘tesdacá’) e justiça (‘mishpat’)” (Gn.18:19).
No momento em que Abraão recebe a notícia em primeira mão e da parte do próprio Deus que Sodoma seria destruída, ele protesta diante do Senhor. Entendendo sua missão de levar toda uma nação a estar no mundo praticando justiça, pareceu a Abraão que Deus estaria sendo injusto destruindo o justo juntamente com o pecador (Gn.18:23). O senso de retidão estava tão à flor da pele que nem o Todo-Poderoso escapa de seu questionamento (18:26-32). Abraão estava errado! Não haviam nem 10 justos em Sodoma, mas mesmo sabendo disso o Eterno permitiu-se ser desafiado por seu servo. Porquê?
Não somos chamados a realizar no mundo a “justiça divina”. Somos chamados para sermos humanos inteiros. Quantos agindo em nome da justiça divina cometeram atrocidades na história da humanidade! Muito do fundamentalismo que gera o terror é produto de homens que entendem-se como o “martelo” de Deus, julgando e condenando aqueles que com eles não concordam. Mas, apesar de não compreendermos e estarmos aptos a realizar a justiça divina que é perfeita, isso não significa que devamos cruzar os braços! Se não posso resolver perfeitamente não quer dizer que não possa fazer algo para minorar o sofrimento e as desigualdades que assolam a humanidade.
A espiritualidade cristã, quando vivida em plenitude, afia o senso de justiça, amolece o coração, molha os olhos e nos move na direção do próximo com generosidade e respeito. Acredito que é por isso que até mesmo a própria criação “aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus” (Rm.8:19). Onde os filhos de Abraão caminham, retidão e justiça são os sinais de sua presença.