segunda-feira, dezembro 31, 2007

Rituais de Passagem e o Final de Ano

O final do ano é um tempo sempre marcado por uma gama perceptível de emoções na alma. Uns sentem medo do imprevisível, outros, angústia pelo desperdício que foi o ano findo, e ainda outros, tédio.
É sempre assim nos rituais de passagem (aniversários, nascimento e morte, casamentos, despedidas...). Eles nos colocam em ebulição emocional. Estamos diante do novo, do não previsível e não há cartas marcadas. Não há promessas.
Tentamos planejar, arquitetar ações e influenciar o futuro, mas a verdade nua e crua é que ele mais parece um corcel indomável que um burrinho de presépio.
As pessoas, nestas épocas, fazem pedidos, querem ouvir as previsões dos 'gurus' de plantão, buscam se benzer, e etc, mas ainda assim, cada novo ano que começa é uma caixinha de surpresas: sabe lá o que vai aparecer...
Os rituais de passagem marcam o fim de um ciclo e o início de outro. Eles dão ritmo a vida, ainda que nem sempre percebamos a melodia. São momentos poderosos pois se abrem como um portal existencial no qual podemos avaliar nossa caminhada até então, e reinventarmos nossa estratégia de sobrevivência. Mas, ainda assim, não há promessas...o que há então? Terror? Absurdo? Deve-se esperar a tragédia sempre?
Absolutamente. O cristianismo nos oferece no relato dos evangelhos uma mensagem extraordinária de consolo e certeza diante das vicissitudes da vida: o batismo de Jesus.
Na cristandade o batismo é também um ritual de passagem. Marca o fim de uma experiência e pontua o início de uma nova caminhada: antes sem Deus, e desde então imersos em Deus.
Jesus, dando-nos exemplo, batizou-se. Lembre-se que Ele estava prestes a iniciar seu ministério público. Até então vinha 'voando abaixo dos radares', mas dali em diante estaria diante do holofotes, da mídia palestina e da possibilidade de sucesso ou fracasso, realização ou desgraça...e sabemos dos capítulos finais.
Bem, foi neste momento de passagem, onde o Cristo que era perfeitamente humano (quanto perfeitamente divino...) estava inundado das mesmas emoções que "eu e você" nestas travessias da vida, que o Pai fez questão de afirmar: "Eis o Meu Filho Amado que me dá muito prazer".
Jesus estava ciente de Sua missão. Sabia o final da história e que depois da entrada triunfal em Jerusalém, viria o inferno da crucificação. Ainda assim, Ele nunca havia passado por tudo aquilo e como ser humano pleno que era, certamente tremeu.
As palavras do Pai trouxeram segurança. Não envolviam a promessa de livramento perfeito e de que Ele pouparia o Filho na derradeira hora. Elas ofereciam a confirmação do amor incondicional do Pai. Posso ler da seguinte forma Sua declaração: "Filho, aja o que houver - e houve... - você é meu Filho Amado e nada pode mudar isto, nada, nem a cruz".
O que nos faz sentir horror diante do futuro não é apenas a possbilidade do fracasso. Há algo mais sério e profundo e jogo. Tememos que, ao fracassar e decepcionarmos a todos, percamos o amor e a aprovação daqueles que nos são caros. Entra em jogo a inteireza de nosso ego e a certeza de nosso valor último.
O Filho precisava de combustível para seguir em frente e o Pai o abasteceu: Seu amor pelo Filho era inegociável!!!
O que podemos esperar diante deste novo ano, deste ritual de passagem que temos que enfrentar? Podemos nos preparar, alinhar os objetivos e metas, mas ainda assim, não há promessas. Uma certeza, no entanto, pode nos sustentar: "somos, em Cristo, os filhos amados do Pai". Isso não significa Green Card diante da tragédia, mas a certeza de que, como disse Yancey, "não podemos fazer nada para Deus nos amar mais; não podemos fazer nada para Ele nos amar menos. Ele nos ama e "ponto final".
Não sei o que me espera em 2008. Desejo o melhor para mim, minha família e amigos. Mas sei que não há promessas. Uma certeza me ampara: "Ainda que meu pai e minha mãe me abandonem, Ele jamais me abandorá - sou dEle!!!

Irmandade De Emaús

Há alguns meses atrás, por meio do meu amigo Pr.Ronaldo Perini (meio pastor meio monge...), fui apresentado e introduzido num grupo de homens chamado "Irmandade de Emaús", dirigido pelo Pr.Osmar Ludovico.
O propósito do grupo é pastoreio mútuo. Com a frequência de 1 encontro por mês e de um retiro por ano, que acontece no Mosteiro Beneditino de Vinhedo - SP, o grupo pratica lectio divina, momentos de silêncio e acima de tudo é uma "fraternidade".
Sempre procurei um grupo assim. Desde minhas leituras nos últimos anos (Henry Nouwen, Thomas Merton, Ken Gire, Larry Crabb, Eugene Peterson, James Houston, Phillip Yancey, etc...), desenvolvi a convicção de que nenhum cristão deve caminhar sozinho. É perigoso. Apesar de cristãos, somos humanos, frágeis e não estamos completamente inteiros: nosso mundo interior ainda não possui uma porta aberta e um caminho pavimentado para nosso mundo exterior, nossa aparência e o que os outros vêem. Assim vivemos perigosamente fragmentados: "um" é aquele que os outros vêem; e "outro" é aquele que realmente sou (que inclusive, desconheço...). "Um" é o que dizem de mim e "outro" é o que sei de mim.
Não nos enxergamos bem. Vestimos máscaras que são nossas estratégias de sobrevivência e com o tempo acabamos acreditando nelas e enganando a nós mesmos. Tornamo-nos uma "verdadeira farsa". Tentamos ser tudo para todos. Acreditamos na possibilidade de "conquistar" o amor e a admiração alheios por meio de nossos méritos pessoais. Descremos do amor incondicional. Temos medo de dizer quem somos. E assim saímos vida a fora, tentando ser o que não somos, enterrando nosso verdadeiro eu - que é o único que pode ser realmente amado - criando um "eu falso", que acaba por não agradar aos outros e nem a nós mesmos.
Num pequeno grupo como a Irmandade, sentimo-nos seguros para progressivamente encontrarmos nosso verdadeiro "eu", tirá-lo do quarto escuro, trazê-lo para luz e aprender a amá-lo como Deus o ama e tal qual ele é. O conhecimento de mim mesmo é fundamental para que possa conhecer a Deus de forma mais real e profunda, e não o "ídolo" que meu próprio coração, néscio de si mesmo, projeta sobre o ser de Deus.
Em minha primeira participação no grupo tive a sensação de ter "chegado em casa". O lar que sempre procurei, que até acreditava que existisse, mas que nunca imaginei merecer ser recebido, ter um lugar a mesa e receber o abraço fraterno.
Sinto que o grupo já está sendo divisor de águas em minha peregrinação espiritual. Me sinto mais forte depois de ter chegado ali e reconhecido que sou fraco. Estou mais encorajado a ser "eu mesmo" e tornar-me tudo quanto nasci para ser: "um pequeno Cristo".
Louvo a Deus pela Irmandade, pelo Osmar que 1 vez por mês "despenca" da Paraíba para estar conosco, por meu amigo Ronaldo com sua família linda e pela certeza que tem crescido em meu coração de que o Pai tem para mim "um futuro e uma esperança".
No próximo dia 07 de janeiro estarei indo com Ronaldo para Ponta Grossa visitar o Mosteiro da Ressurreição. Será certamente um tempo de refrigério espiritual, companherismo e crescimento no conhecimento e na graça do Senhor Jesus Cristo.
Quando voltar postarei as impressões.

Não Desperdice O Seu Câncer - John Piper

Estou escrevendo estas palavras na véspera da cirurgia do câncer na minha próstata. Creio no poder de Deus para curar — por meio de um milagre e da medicina. Sei que é certo e bom orar pelos dois tipos de cura. O câncer não é desperdiçado ao ser curado por Deus. Ele recebe a glória — e isto porque o câncer existe. Então, não orar pela cura pode desperdiçar seu câncer. Mas a cura não é o plano de Deus para todos. E existem muitas outras formas de desperdiçar seu câncer. Estou orando por mim e por você, para que não desperdicemos esta dor .



1. Você desperdiçará seu câncer caso não creia que isto foi planejado por Deus
Não diga que Deus apenas usa nosso câncer, mas que não o planeja. O que Deus permite, ele o faz por uma razão. E está razão é sua vontade. Se Deus prevê desenvolvimentos moleculares tornando-se cancerígenos , ele pode deter isto ou não. Se não, ele tem um propósito. Por ser infinitamente sábio, é correto chamar este propósito de plano. Satanás é real e causa muitos prazeres e dores. Mas ele não é a causa última . Assim , quando ele atacou Jó com úlceras (Jó 2:7), Jó atribuiu-as a Deus (2:10), e o escritor inspirado concorda: “e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado” (Jó 42:11). Se você não crê que seu câncer lhe foi planejado por Deus, você o desperdiçará.



2. Você desperdiçará seu câncer caso creia que ele é uma maldição , e não uma bênção
“Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” ( Romanos 8:1). “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós ” (Gálatas 3:13). “Contra Jacó, pois, não há encantamento , nem adivinhação contra Israel” ( Números 23:23). “Porquanto o Senhor Deus é sol e escudo; o Senhor dará graça e glória; não negará bem algum aos que andam na retidão.” (Salmos 84:11)


3. Você desperdiçará seu câncer caso procure conforto em suas chances em vez de procurá-lo em Deus
O plano de Deus em relação ao seu câncer não é treiná-lo no cálculo de chances racionalista e humano . O mundo consegue conforto em estatísticas . Os cristãos não . Alguns contam seus carros (porcentagens de sobrevivência) e outros contam seus cavalos (efeitos colaterais do tratamento), mas nós confiamos no nome do Senhor, nosso Deus (Salmos 20:7). O plano de Deus é claro em 2Coríntios 1:9: “portanto já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte , para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos”. O objetivo de Deus relativo ao seu câncer (entre várias outras coisas boas) é derrotar a autoconfiança em nosso coração para podermos descansar completamente nele.


4. Você desperdiçará seu câncer caso se recuse a pensar na morte
Todos nós morreremos caso Jesus não retorne em nossos dias. Não pensar sobre como seria deixar esta vida e encontrar Deus é tolice . Eclesiastes 7:2 diz: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete ; porque naquela se vê o fim de todos os homens , e os vivos o aplicam ao seu coração”. Como você pode aplicar esta verdade a seu coração se não pensa nela? Salmos 90:12 diz: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios”. Contar seus dias significa pensar sobre quão poucos eles são e que terminarão. Como você conseguirá um coração sábio se você se recusa a pensar nisto? Que desperdício , caso não pensemos sobre a morte.


5. Você desperdiçará seu câncer caso pense que “vencê-lo” significa sobreviver e não aproximar-se de Cristo .
Os planos de Deus e os planos de Satanás para seu câncer não são os mesmos. Satanás deseja destruir seu amor por Cristo. Deus planeja aprofundá-lo. O câncer não vencerá se você morrer, apenas se falhar em aproximar-se de Cristo. O plano de Deus é privá-lo do alimento do mundo e satisfazê-lo com a suficiência de Cristo. Isto tem o objetivo de ajudá-lo a dizer e a sentir: “tenho também como perda todas as coisas pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. E saber, portanto, que “o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Filipenses 3:8; 1:21).


6. Você desperdiçará seu câncer caso gaste muito tempo lendo sobre o câncer e não o suficiente a respeito de Deus
Não é errado ler sobre o câncer . Ignorância não é virtude. Mas, o desejo de saber mais e mais, e a falta de zelo pelo conhecimento contínuo de Deus é sintomático no incrédulo . O objetivo do câncer é acordar-nos para a realidade de Deus, colocar sensações e força no mandamento “Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor” (Oséias 6:3), acordar-nos para a verdade de Daniel 11:32 : “O povo que conhece ao seu Deus se tornará forte, e fará proezas”, tornar-nos carvalhos indestrutíveis e firmes : “antes tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e noite. Pois será como a árvore plantada junto às correntes de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cuja folha não cai; e tudo quanto fizer prosperará.” ( Salmos 1:2,3). Que desperdício lermos dia e noite sobre o câncer e nada a respeito de Deus .


7. Você desperdiçará seu câncer caso se isole em vez de aprofundar seus relacionamentos manifestando afeição
Quando Epafrodito trouxe os presentes enviados pela igreja de Filipos para Paulo, ele ficou doente e quase morreu. Paulo diz aos filipenses: “porquanto ele tinha saudades de vós todos, e estava angustiado por terdes ouvido que estivera doente” (Filipenes 2:26). Que reação maravilhosa! Não diz que estavam angustiados porque Epafrodito estava doente , mas que ele estava angustiado porque os filipenses ouviram que ele estava doente. Este é o tipo de coração que Deus pretende criar com o câncer: o coração profundamente afetivo e preocupado com as pessoas . Não desperdice seu câncer voltando-se para si mesmo .


8. Você desperdiçará seu câncer caso se entristeça como quem não tem esperança .
Paulo usa esta expressão para designar pessoas cujos entes queridos haviam morrido: “Não queremos, porém , irmãos , que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais como os outros que não têm esperança” (1Tessalonicenses 4:13). Existe tristeza na morte. Mesmo para o crente que morre, há uma perda temporária — a perda do corpo, de entes queridos e do ministério terreno. Mas a tristeza é diferente — é permeada pela esperança: “desejamos antes estar ausentes deste corpo, para estarmos presentes com o Senhor” (2Coríntios 5:8). Não desperdice seu câncer ficando triste como quem não tem esta esperança .


9. Você desperdiçará seu câncer caso trate o pecado tão normalmente quanto antes.
Seus pecados freqüentes permanecem tão atrativos quanto antes de você ter câncer? Se a resposta for afirmativa, então você está desperdiçando seu câncer. O câncer foi planejado para destruir o apetite pelo pecado. Orgulho, ganância, luxúria, ódio, falta de perdão, impaciência, preguiça, procrastinação — todos estes são adversários que o câncer deve atacar. Não pense apenas em lutar contra o câncer. Pense também em usá-lo. Todas estas coisas são piores que o câncer. Não desperdice o poder do câncer para esmagar estes adversários. Deixe a presença da eternidade tornar os pecados temporais tão fúteis como eles realmente são. “Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, e perder-se, ou prejudicar-se a si mesmo ?” (Lucas 9:25).


10. Você desperdiçará seu câncer caso falhe em utilizá-lo como meio de testemunhar a verdade e a glória de Cristo .
Os cristãos nunca se encontram em determinado lugar por acidente. Existem razões para as quais somos levados onde estamos. Considere o que Jesus diz sobre circunstâncias inesperadas e dolorosas: “Mas antes de todas essas coisas vos hão de prender e perseguir, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, e conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Isso vos acontecerá para que deis testemunho” (Lucas 21:12-13). Assim também é com o câncer. Essa será uma oportunidade para testemunhar. Cristo é infinitamente digno. Aqui está uma oportunidade de ouro para mostrar que Jesus vale mais que a vida . Não a desperdice.


Lembre-se de que você não foi deixado sozinho; terá a ajuda necessária: “Meu Deus suprirá todas as vossas necessidades segundo as suas riquezas na glória em Cristo Jesus” (Filipenses 4:19).

domingo, junho 24, 2007

Espiritualidade Mundana

Vivemos numa tempo de grande efervescência espiritual. Nunca se viram tantas propostas e nuances de espiritualidade.
Confesso que me assustam as propostas (algumas evangélicas...) de espiritualidade "extra-terrena". São vozes que se levantam e parecem convidar a todos para entrar numa espécie de 'nave espacial celestial' por meio da qual iremos para a verdadeira vida: a espiritual (sinônimo de 'não físico'), afinal, este mundo vai ser mesmo destruído...dizem...não eu.
Bem, parte-se da idéia de que a matéria é má, portanto, para alcançarmos plenitude de vida teremos que nos livrar de tudo quanto é palpável, e assim vivermos no "mundo espiritual', ou se quiser, no 'mundo das ideias', pra ser mais platônico.
O cristianismo não crê assim. Cremos que tudo quanto foi criado é bom, e que o evangelho visa a restauração de 'todas as coisas'. Para o cristianismo, 'espiritual' não é sinônimo de 'não físico', mas refere-se ao caráter como algo é utilizado: conforme o que Deus deseja = espiritual; fora da vontade de Deus = carnal (o que não significa 'matéria', mas o fato de ser utilizado fora dos propósitos de Deus).
Sendo assim, creio que podemos e devemos nos abrir para uma espiritualidade mundana, ou seja, do mundo, da terra, afinal, o "logos criou o cosmos"; e também é lícito experimentarmos Sua presença por meio de 'tudo quanto Ele criou'. Ou seja, não apenas nos lugares 'sagrados' (templos, Jerusalém etc...) mas também na cozinha, no estádio, nas ruas e etc, podemos nos nutrir da divina presença.
Dentro desta visão, as coisas mais ordinárias como receber um beijo do filho e experimentar um café fresquinho, podem se tornar verdadeiras janelas da alma, escadas de Jacó, onde perceberemos a verdade de que céu e terra não estão completamente cindidos e que em alguns momentos do cotidiano podemos ver os céus abertos, a eternidade em curso e Deus novamente dando as caras no jardim.

segunda-feira, junho 18, 2007

Vida breve...


A Bíblia é fantástica e precisa em suas metáforas. Diz que a vida é como uma erva: nasce, cresce, murcha e cai; é também como um suspiro ou ainda uma névoa, que ao tempo em que se vê, já se foi. De fato, é assim que se parece.
Certo poeta disse: "onde está o colírio capaz de abrir nossos olhos para a nudez do momento?" Frente a morte repentina do humorista Bussunda, Pedro Bial disse, em crônica, que "a morte é uma piada...não tem como levar ela a sério...só dando risada...ali estamos nós trabalhando, amando, indo e vindo e repentinamente, ela surge fria e implacável".
Penso nela todos os dias. Sei que me espreita. Sei que um dia olharei em seus olhos frios e repousarei, entregue, em seus longos braços. Sim, reconheço: morrerei.
Afirmo no etanto, que a vida é bela. O evangelho enche de esperança os meus dias. Creio na vida eterna, não como algo que receberei após a morte, mas que em Cristo, já experimento. Navego na eternidade. Ela já está em curso e surfo nessa onda. Como disse Boff, "a morte é o verdadeiro nascimento do cristão".
O cristão já vive com um pé em cada mundo: um no céu e outro na Terra, e por meio de nossa fé, através de nossas boas obras, sinalizamos que um novo reino já chegou e está em franca expansão: "o reino de Deus...justiça, paz e alegria".
O evangelho não é apenas um plano funerário visando uma boa morte, mas um estilo de vida. Cremos na ressurreição do corpo e também na ressurreição do planeta...do cosmos.
Somos contados entre aqueles que acreditam num novo céu e numa nova terra onde habita a justiça.
Frente a inevitabilidade da morte, precisamos proclamar a vida, aqui e agora em Cristo, mas também ali e acolá com Ele.
A morte nos apavora porque não fomos criados para ela. Fomos criados para a imortalidade e em Cristo é o que iremos experimentar, pois é Ele o interlocutor entre a humanidade e o mundo vindouro.
Para o cristão a morte será apenas uma porta a ser atravessada: entraremos e sairemos, achando pastagens...e assim caminharemos nos tornando tudo aquilo que nascemos para ser: santos, pequenos cristos, seres humanos cristificados!!!
Façamos portanto coro com o apóstolo: "onde está ó morte a tua vitória...onde está o teu aguilhão".

domingo, junho 10, 2007

Amar e gostar: realidades distintas


Uma coisa é amar, e outra é gostar. Gostar nasce no coração, envolve empatia, química...é quase instantâneo: "fui com a cara daquela pessoa", dizemos. Gostar tem mais a ver com os sentimentos, os quais são bastante voláteis e sazonais.
O amor é diferente. Amar é um verbo, antes de ser um substantivo ("amor"), logo, 'palavra que descreve ação'. Amar é uma decisão do cérebro. Até envolve sentimentos, mas antes de tudo é um ato da vontade. Amar de verdade, de forma madura, é tomar a decisão de tratar o outro com excelência; não como ele merece, mas como precisa. Amar, disse Erick Fromm, é respeitar, cuidar e zelar. Nada tem a ver com a paixão! Amar até envolve e mobiliza sentimentos, mas antes de tudo, é uma disciplina, uma postura e uma atitude diante da vida e do outro.
Sendo assim, é possível entender a ordem do Cristo de "amarmos nossos inimigos". Ele não nos mandou "gostar". Gostaremos de alguns na vida, mas o amor podemos oferecer a todos, indistintamente, até àqueles que pisam em nossa unha encravada. Amar é tomar a decisão de não revidar a afronta, de não usar as armas das trevas, de abrir mão da vingança. Foi Gandhi quem disse que quando não revidamos a ofensa recebida de nosso ofensor, ele se cobre de vergonha, mas quando revidamos, ele se sente justificado em sua atitude de nos machucar.
Quanto terminam seus casamentos e dizem: "o amor acabou". Como? A Bíblia afirma que o amor jamais acaba!?! Na realidade, quando isto ocorre, acabou a paixão ou o chamado "amor romântico", o qual é ilusório e passageiro, pois está alicerçado na idealização que fazemos do outro. O amor real implica em conhecimento: só podemos amar aquilo que conhecemos, o que naturalmente ocorre quando aprofundamos a relação. Neste sentido, quando a ilusão acaba, é hora de começar a amar. Quando as máscaras se vão é que chega a hora de sermos suficiente lúcidos e nos dispormos a amar o "outro real".
Pe.Antônio Vieira disse que "as promessas da paixão só podem ser cumpridas pelo amor". A paixão faz promessas que não pode cumprir, mas apenas o amor. Logo, se a paixão não se torna amor, suas promessas cairão por terra e jamais se cumprirão.
Entendo que o que estou afirmando é um "duro discurso". Quanto saindo pela vida à fora de "caso em caso", "parceiro em parceiro", em busca daquele(a) que ainda não foi encontrado e por isso as relações não dão certo.
O amor é o sentimento dos seres imperfeitos. É necessário "amor" onde as pessoas são falhas...onde há perfeição, o amor não é necessário e sim a "adoração". Quando nos relacionamos com alguém que julgamos "perfeito", nossos sentimentos beiram a "devoção", mas tão logo essa miragem se desfaça, brotam a decepção e por vezes até a ira.
Podemos sempre tomar a decisão de amar. Amar a todos, sem escolher, optando por oferecermos ao próximo o melhor de nós mesmos: respeito, consideração, serviço, atenção, perdão. O que tenho aprendido, é que quando assim nos decidimos, quase sempre passamos a gostar daqueles que deicimos amar. A maioria das pessoas não é tào ruim e nem tão boa. A maioria de nós está numa "grande média": nem tão bons quanto nascemos para ser e nem tão maus como poderíamos nos tornar. O que ocorre é que por vezes conhecemos alguém num momento difícil, numa hora ruim...encontramos o outro pelo avesso. Daí rotulamos e dizemos: "fulano não serve pra mim".
A decisão de amar é parte do que significa termos sido criados "à imagem e semelhança de Deus". Mesmo nos conhecendo de dentro pra fora, e portanto não possuindo nenhuma ilusão sobre os "bonecos de barro" que criou, Deus decidiu nos amar - seres imperfeitos. E quando assim também procedemos, ficamos mais santos, mais cristificados, mais cristãos ('pequenos cristos').
O mundo precisa de menos "paixão" e de mais "amor". Quando assim nos decidirmos, provocaremos uma revolução de tal monta, que não saberemos se subimos ao céu ou se o ceú baixou até nós.

Discurso de Formatura


DISCURSO DE FORMATURA

Desejo num primeiro momento saudar a todos os presentes:

. à mesa de professores e autoridades;
. aos colegas presentes que me escolheram para este momento;
. aos amigos e parentes;
. aos funcionários da escola em que nos formamos;
. aqueles que ficaram pelo meio do caminho;

Enfim, a cada pessoa que de alguma forma e a sua maneira contribuíram para que pudéssemos estar aqui desfrutando deste momento de realização e com o qual tanto sonhamos.
A todos, do fundo do coração, o nosso “muito obrigado”!!!
Acima de tudo e todos, quero louvar e agradecer ao Deus supremo e criador de todas as coisas, que nos sustentou em meio as lutas, nos animou frente aos obstáculos e não permitiu que sucumbíssemos frente aos problemas que se levantaram durante nossa caminhada. A Ele toda glória e louvor!!!
Acredito firmemente que cada ser humano que existe, existe para fazer diferença. Não estamos na vida simplesmente para existirmos. Creio que a vida é algo mais do que “nascer, comer, estudar, trabalhar, casar, ter filhos e um dia morrer”. Creio que cada ser humano, por ter sido criado a imagem e semelhança de Deus, nasce com o potencial de realizar algo significativo na vida. Cada um de nós pode fazer diferença neste mundo, deixar uma marca, um legado, escrever uma história pessoal interessante e inspirativa.
Creio também, no entanto, que “forças contrárias” atuam no sentido de nos impedirem de alcançarmos grandeza de “SER”. Somos invariavelmente atingidos por situações que tendem a nos apequenar diante da grande possibilidade que a vida nos oferece de nos tornarmos fazedores de diferença. É a luta pela sobrevivência, a preocupação com as contas, a criação dos filhos, os limites físicos e de saúde, os relacionamentos problemáticos que nos sugam a energia de viver, as decepções, enfim, tudo aquilo que contribui para que percamos a capacidade de sonhar com um amanhã melhor, com o qual pessoalmente contribuiremos a partir de nossa própria existência.
Sim, há em ao nosso redor uma tendência natural a homeostase, a acomodação, ao “não se importar”, uma tendência a “normose” (patologia da normalidade) que nada mais é do que a incapacidade de fazer diferença. Normótico é o indivíduo que está na vida “por acaso”, não trouxe consigo um objetivo maior (ou perdeu-o em meio as lutas...), vive como a maioria da humanidade: sem fazer diferença!!!
Parece existirem três condições de existência onde a maioria das pessoas se encaixam:
1º - Aqueles que nunca tiveram nenhum objetivo maior na vida. Estes não vivem, vegetam. Não vivem, mas apenas sobrevivem pela própria “casualidade” de estar respirando. Não possuem um sonho, um alvo na vida. Passam por ela desapercebidos e sem fazerem diferença.
2º - Aqueles que perderam o objetivo que possuíam. Tinham, ainda que de forma rudimentar um sonho acalentado. Quando crianças o viam nitidamente e eram por ele motivadas. No entanto tornaram-se “adultos”, e desaprenderam a capacidade de sonhar. Deixaram-se levar pelo discurso dos normóticos que diziam: “você não pode fazer nada para mudar isto!”, “porque se importar, ninguém se importa”, “deixe isso para lá, você acabará se queimando”. E assim tornaram-se também pessoas “comuns”, que não fazem diferença. Tornaram-se objetos e não sujeitos de sua própria vida.
3º - Aqueles que perseguem seus objetivos e fazem diferença. Esses não se deixam intimidar pelos normóticos. Apesar de seus apelos a abandonarem seus sonhos e planos, eles não desistem. É gente que só aceita estar na “vida dizendo a que veio”. É gente que tem algo a fazer nos próximos anos de sua vida. Nada os detêm. São intimidados, alvejados com críticas, injustiçados, desacreditados e por vezes também sofrem a tentação de seguirem junto com a multidão, mas sempre reencontram forças na visão que possuem de um futuro preferível. Sabem que ninguém mais poderá na vida fazer o que eles têm a fazer, e por isso, mesmo em meio aos piores pesadelos são capazes de alçarem a voz, e contra tudo e todos, bradar como fez Luther King: “eu tenho um sonho, eu tenho um sonho!!!”.
Porquê ou para quê adquirimos os conhecimentos da psicologia? Porque tanto sacrifício, dinheiro gasto, horas de estudo (as quais poderíamos ter passado com nossos familiares e amigos...), tanta ansiedade sofrida ante as provas, refeições apressadas e noites mal dormidas? Será que tudo o que passamos para chegar até aqui está desassociado de um projeto maior na vida, de um sonho, de um plano ou visão do futuro? Será que viemos até aqui “por acaso” ou meramente movidos pelo medíocre desejo de ganharmos um pouco mais de dinheiro e termos consequentemente mais conforto para esperarmos a morte. Quero crer que não. Quero crer que, cada um de nós, a seu modo, veio até aqui porque quer ir muito mais longe. Aqui chegamos porque temos a onde ir em nossa caminhada existencial. Há um objetivo maior, o qual somado com as capacitações conferidas por este curso irão contribuir para a concretização da visão que possuímos, e assim iremos nos tornar cada vez mais fazedores de diferença neste mundo que carece de pessoas que se importam.
Diante disto, quero deixar três escolhas fundamentais para aqueles que não enxergam a vida como um fim em si mesma, mas que compreendem que aqui vieram com a missão de fazerem diferença:

A Primeira Escolha...

1) Creia em algo maior do que você mesmo, envolva-se em algumas das grandes idéias do nosso tempo. Isto significa: tenha uma paixão!!! Tenha algo que ao fazer lhe pareça sagrado, importante e fundamental. Tenha um objetivo na vida! Há pessoas que querem realizar muitas coisas ao mesmo tempo. Acabam não realizando nada. O que mexe com o seu coração? Ao ouvir o noticiário o que lhe comove? Rebusque seus valores e princípios, reveja sua história, e você acabará encontrando uma missão maior que sua própria vida com a qual deseja se envolver às últimas consequências. Nossas vidas só ganharão um significado maior se nos entendermos envolvidos numa trama do Criador para este mundo; num projeto que antes de nascer em nosso coração nasceu no dEle.

A Segunda Escolha...

2) Não faça nada sem excelência. “Tudo o que na vida merece ser feito, merece ser bem feito”, disse Cora Coralina. Fazer as coisas com excelência significa trabalhar sempre com amor, alegria e fazendo pelos outros o mesmo que desejamos que façam por nós. Fazedores de diferença não fazem nada pela metade. Eles buscam sempre fazer o melhor. Vivem cada dia como se fosse o último.

A Terceira Escolha...

3) Valorize as pessoas, as relações. Vivemos numa sociedade que valoriza o “ter” ao invés do “ser”. Valoriza-se as coisas e usa-se as pessoas quando deveria ser o contrário. Fazedores de diferença encontram sempre um tempo para um cumprimento, um “olá, como vai?”. Eles julgam as pessoas pelo que elas são e não pelo que tem. São enérgicos e firmes, mas também sabem sorrir e ser amáveis. Chamam as pessoas pelo nome e procuram sempre valorizar o próximo.

Fazedores de diferença estão em extinção. Cada vez menos encontramos pessoas que se importam. A vida é curta demais para vivermos de maneira insignificante, sem deixar um legado, uma herança e uma realização que continue falando, ensinando e fazendo diferença mesmo quando não estivermos mais por aqui.
Meu sincero desejo é que esta turma entre para história. Talvez, não necessariamente a “história universal”, aquela que é contada nos livros e ensinada nas escolas. Mas, que possamos entrar para “história pessoal” daqueles que cruzarem nosso caminho, participarem de nossa vida ou receberem nossos serviços. Que na vida destes e de tantos outros possamos deixar uma marca, uma mensagem e uma contribuição que lhes torne a vida mais doce e significativa. Que Deus assim nos abençõe!!!

Entrevista: Eugene Peterson


Artigo :: Entrevista com Eugene Peterson :: Espiritualidade com todas as motivações erradas Eugene Peterson fala sobre mentiras e ilusões que estão destruindo a igreja.
Entrevista por Mark Galli

Eugene Peterson tinha toda uma vida de publicações antes de escrever The Message (A Mensagem). E pode-se dizer que foram elas que conduziram, pelo menos em parte, à renovação atual da espiritualidade cristã entre pastores e leigos. Em livros como Five smooth stones for pastoral work (Cinco pedras lisas para o trabalho pastoral), Corra com os cavalos, A long obedience in the same direction: discipleship in an instant society (Uma longa obediência na mesma direção: discipulado em uma sociedade instantânea), e O pastor contemplativo, Peterson expôs a superficialidade do cristianismo estadunidense, e ofereceu uma alternativa estimulante e revigorante. Na mesma linha, Peterson volta a escrever sobre a vida cristã em Christ plays in ten thousand places: A conversation in spiritual theology (Cristo joga em dez mil lugares: Uma conversa sobre a teologia espiritual, Eerdmans, 2005). O livro é o primeiro de uma série planejada de cinco volumes, na qual Peterson sistematizará temas que ele abordou nas últimas três décadas – a formação espiritual, as Escrituras, liderança, a igreja, o pastoreio, o direcionamento espiritual. O primeiro volume é um tour de force em teologia espiritual, combinando uma análise cultural e exposição bíblica incisivas com uma visão extensa e atraente da vida cristã. Tudo o que Peterson escreve parte do seu trabalho como pastor, desenvolvido principalmente na igreja presbiteriana Christ our King em Bel Air, Maryland, um subúrbio de Baltimore. Ele foi o pastor fundador da igreja, que chegou a contar com 500 membros antes de ele a deixar, 29 anos depois. De lá ele foi para o Seminário Teológico de Pittsburgh, e depois para o Regent College, em Vancouver, British Columbia. Ele agora está “aposentado”, vivendo em sua casa em Montana, mas em seu coração continua sendo um pastor que se importa profundamente com a vida cristã no contexto da igreja local. Quando Peterson estava terminando de escrever Christ Plays in Ten Thousand Places, o editor gerente da revista Christianity Today, Mark Galli, conversou com ele sobre temas sugeridos pelo seu livro e pela sua vida.
Qual é o maior engano quando se fala em espiritualidade?
É achar que ela é uma espécie de forma especializada de ser cristão, que você precisa ter alguma espécie de poder. Isso é elitista. Muitas pessoas são atraídas à espiritualidade com motivações erradas. Outros tiram o corpo fora: “Eu não sou espiritual. Eu gosto de ir ao futebol, ou a festas, ou quero crescer na minha carreira”. Na verdade, eu tento evitar essa palavra. Muitas pessoas supõem que espiritualidade é ficar emocionalmente íntimo de Deus. Isso é uma visão ingênua da espiritualidade. Estamos falando de vida cristã. É seguir a Jesus. A espiritualidade é exatamente igual àquilo que fazemos a dois mil anos, ir à igreja e receber os sacramentos, ser batizados, aprender a orar, e ler as Escrituras da maneira correta. São as coisas normais. Essa promessa de intimidade é ao mesmo tempo correta e equivocada. Existe uma intimidade com Deus, mas é como qualquer outra intimidade; faz parte da substância da vida. No casamento você não se sente íntimo na maioria do tempo. Nem com um amigo. A intimidade não é, em primeiro lugar, uma emoção mística. É um modo de viver, uma abertura para a vida, honestidade, uma certa transparência.
A tradição mística não sugere o contrário?
Uma das minhas histórias favoritas é com Teresa de Ávila. Ela está sentada na cozinha com um frango assado. Ela segura o frango com as duas mãos, e simplesmente o devora. Uma das freiras entra e fica chocada com o que vê, com o comportamento dela. Teresa de Ávila diz: “Quando eu como frango, eu como frango; quando eu oro, eu oro”. Se você ler sobre os santos, eles são pessoas normais. Eles têm momentos de arrebatamento e êxtase, mas isso é uma vez a cada 10 anos. E mesmo assim, quando acontece é uma surpresa. Eles não fizeram nada. Nós temos que desobrigar as pessoas dessas ilusões sobre o que é a vida cristã. É uma vida maravilhosa, mas não da maneira que muitos querem que ela seja. Mas os evangélicos dizem às pessoas, corretamente, que elas podem ter um “relacionamento pessoal com Deus”. Isso sugere um certo tipo de intimidade espiritual. Todas essas palavras são tão desgastadas em nossa sociedade. Se intimidade significa ser aberto, honesto e autêntico, não usar máscaras, ou não precisar ser defensivo e negar quem eu sou, isso é maravilhoso. Mas na nossa cultura, a intimidade tem conotações sexuais, uma espécie de completude. Então eu quero intimidade porque eu quero mais da vida. Raramente as pessoas pensam em sacrifício, em dar, em ser vulnerável. Isso são duas maneiras diferentes de ser íntimo. E no nosso vocabulário estadunidense, a intimidade geralmente está relacionada a conseguir alguma coisa do outro. Isso estraga tudo. É muito perigoso usar a linguagem da cultura para interpretar o evangelho. O nosso vocabulário precisa ser refinado e testado pela revelação, pelas Escrituras. Nós temos um bom vocabulário e uma boa sintaxe, e é bom que nós comecemos a prestar atenção neles. Porque essa mania de usar palavras aleatoriamente, palavras de outros contextos, para conquistar os não cristãos, não é muito saudável.
Essa corrupção da palavra espiritualidade, mesmo nos meios cristãos, tem alguma coisa a ver com o movimento da Nova Era?
Essas coisas de Nova Era já são Velha Era. Já se fala nisso a um bom tempo. É um atalho barato para – acho que precisamos usar essa palavra – a espiritualidade. Significa evitar o comum, o cotidiano, o físico, o material. É uma forma de gnosticismo, e tem um apelo terrível, porque é uma espiritualidade que não tem nada a ver com lavar a louça, ou trocar fraldas, ou ir para o trabalho. Não existe muita integração com o trabalho, com as pessoas, o pecado, os problemas, as dificuldades. Eu fui pastor grande parte da minha vida, durante mais ou menos 45 anos. Eu amo isso. Mas, para ser sincero, as pessoas que mais me dão trabalho são as que vêm me perguntar: “Pastor, como eu posso ser espiritual?” Esqueça esse negócio de ser espiritual. Que tal amar o seu marido? É um bom lugar para começar. Mas não é isso que eles querem. Que tal aprender a amar seus filhos, aceitá-los como são? O meu nome nem deveria estar ligado à espiritualidade. Mas ele está profundamente ligado. Eu sei. Então, alguns anos atrás, eu recebi o vergonhoso cargo de ser professor de “teologia espiritual” no Regent. E aí, fazer o quê?
Você faz a espiritualidade parecer tão mundana.
Eu não quero sugerir que as pessoas que seguem a Jesus nunca se divertem, que não há alegria, exuberância, êxtase. É só que essas coisas não são o que os consumidores acham que elas são. Quando nós fazemos propaganda do evangelho usando os valores do mundo, nós mentimos para as pessoas. Nós mentimos para elas, porque essa é uma vida nova. Ela envolve seguir a Jesus. Envolve a cruz. Envolve a morte, um sacrifício aceitável. Nós desistimos de nossas vidas. O Evangelho de Marcos é uma boa imagem para isso. A primeira metade do Evangelho traz Jesus mostrando às pessoas como viver. Ele cura todo mundo. Então, bem na metade, ele muda. Ele começa a mostrar para as pessoas como morrer: “Agora que vocês têm a vida, eu vou mostrar para vocês como desistir dela”. É essa a vida espiritual. É aprender a morrer. E quando você aprende a morrer, você perde todas as suas ilusões, e você começa a ser capaz da verdadeira intimidade e do amor. Isso envolve uma espécie de passividade aprendida, de modo que nosso relacionamento com os outros seja marcado, em primeiro lugar, por receber, nos submeter, em vez de dar, conseguir e fazer. Nós não conseguimos fazer isso muito bem. Nós fomos treinados para pensar positivo, para conseguir, aplicar, ou consumir e fazer. Arrependimento, morrer para si mesmo, submissão... Não são ganchos muito atraentes para trazer pessoas à fé Eu acho que no momento que você coloca as coisas nesses termos, você vai ter problemas. Porque daí nós ficamos do mesmo lado do mundo consumidor, e tudo se torna um produto feito para dar alguma coisa a você. Nós não precisamos de mais nada. Nós não precisamos de algo melhor. O que nós queremos é vida. Estamos aprendendo a viver. Eu acho que as pessoas estão de saco cheio de consumismo, mesmo que estejam viciadas nisso. Mas se nós apresentarmos o evangelho falando de benefícios, estamos preparando as pessoas para a decepção. Estamos mentindo. Não foi desse jeito que as Escrituras foram escritas. Não foi assim que Jesus veio para estar entre nós. Não era isso que Paulo pregava. De onde a gente tira esse troço? Nós temos um manual. Temos as Escrituras. E a maioria do tempo estamos dizendo: “Vocês estão indo para o lado errado. Dêem meia volta. A cultura está envenenando vocês”. Será que percebemos o quanto a cultura de Baal em Canaã está reproduzida exatamente na cultura da igreja estadunidense? A religião de Baal é aquilo que faz você se sentir bem. O culto a Baal é uma imersão total no proveito que eu posso tirar das coisas. E, é claro, era um sucesso tremendo. Os sacerdotes de Baal conseguiam juntar multidões que batiam os seguidores de Javé numa proporção de 20 para 1. Havia sexo, empolgação, música, êxtase, dança. “Nós temos mulheres aqui, amigos. Nós temos estátuas, mulheres e festas”. Era um negócio fantástico. E o que os hebreus tinham para oferecer? A Palavra. O que é a Palavra? Bom, pelo menos os Hebreus tinham festas!
Mesmo assim, o grande atrativo ou benefício da fé cristã é a salvação, não? “Creia no Senhor Jesus Cristo e você será salvo”. Não podemos usar isso para atrair legitimamente as pessoas? É a melhor palavra que nós temos – salvação, ser salvo. Somos salvos de um modo de vida em que não havia ressurreição. E estamos sendo salvos de nós mesmos. Uma maneira de definir a vida espiritual é estar tão cansado e de saco cheio de você mesmo que você procura algo melhor, que é seguir a Jesus. Mas no momento em que começamos a fazer propaganda da fé falando de benefícios, só estamos piorando o problema do ego. “Em Cristo, você é melhor, mais forte, mais agradável, você curte um êxtase”. Mas é só mais ego. Ao invés disso, nós queremos deixar as pessoas de saco cheio delas mesmas, para que comecem a olhar para Jesus. Todos nós conhecemos um tipo específico de pessoa espiritual. Ela é uma pessoa maravilhosa. Ela ama o Senhor. Ela ora e lê a Bíblia o tempo todo. Mas ela só pensa nela mesma. Ela não é uma pessoa egoísta. Mas ela sempre está no centro de tudo o que ela faz. “Como eu posso ser uma testemunha melhor? Como eu posso fazer isso melhor? Como eu posso resolver o problema dessa pessoa melhor?” É eu, eu, eu. Mas com um disfarce que torna difícil de enxergar a verdade, porque a conversa espiritual dela nos desarma.
Então como devemos enxergar a vida cristã?
No domingo passado, na igreja, havia um casal na nossa frente com duas crianças bagunceiras. Dois bancos atrás de nós, havia um outro casal, que também tinha dois filhos, e as crianças faziam muito barulho. Os membros da nossa igreja são principalmente gente mais velha. São pessoas que já viveram suas vidas. Os seus filhos já foram embora a um bom tempo. Então não foi um culto muito agradável; simplesmente não foi um bom culto. Mas quando terminou, eu vi meia dúzia dessas pessoas idosas ir até a mãe das crianças e abraçá-la, fazer carinho nas crianças, fazer amizade com ela. Eles podiam ter ficado irritados. Agora, porque as pessoas vão a uma igreja assim quando poderiam ir a uma igreja que tenha creche, ar-condicionado, e tudo o mais? Bom, porque são luteranos. Eles não se importam em se sentir mal! Luteranos noruegueses! E essa mesma igreja acolheu recentemente uma jovem com um bebê e um filho de três anos. As crianças foram batizadas a algumas semanas atrás, mas não tinha nenhum homem. Ela nunca se casou; cada uma das crianças é filho de um pai diferente. Ela aparece lá na igreja e quer batizar seus filhos. Ela é cristã, e quer seguir o caminho cristão. Então um casal da igreja assumiu o papel de padrinhos. Agora tem três ou quatro casais da igreja que todo domingo tentam se encontrar com ela. Então, onde está a “alegria” daquela igreja? São noruegueses mal-humorados! Mas existe muita alegria. Há vida abundante ali, mas não abundante da maneira que um não cristão pensaria. Acho que tem muito mais coisa acontecendo em igrejas assim; elas são simplesmente tão contra-cultura. Elas são cheias de alegria, fidelidade, obediência e cuidado. Mas você certamente não ficaria sabendo disso lendo livros sobre crescimento de igrejas, não é? Mas muitos cristãos olhariam para essa igreja e diriam que ela está morta, uma mera expressão institucional da fé. Que outra igreja existe além da institucional? Não existe ninguém que não tenha problemas com a igreja, porque existe pecado na igreja. Mas não existe nenhum outro lugar para ser cristão a não ser na igreja. Existe pecado no banco, existe pecado no armazém. Eu realmente não entendo essa critica ingênua à instituição. Não entendo. Frederick von Hugel disse que a instituição da igreja é como a casca da árvore. Não existe vida na casca. É madeira morta. Mas ela protege a vida da árvore. E a árvore cresce, e cresce, e cresce. Se você tirar a casca, ela fica exposta à doença, à desidratação, à morte. Então, sim, a igreja é morta, mas ela protege algo que está vivo. E quando você tem uma igreja sem casca, ela logo morre. Ela desaparece, adoece, e fica exposta a todos os tipos de doença, heresia e narcisismo. Nos meus escritos, eu espero recuperar um senso da realidade da congregação, o que ela realmente é. Ela é um dom do Espírito Santo. Por que nós estamos sempre idealizando o que o Espírito Santo não idealiza? Não existe nenhuma idealização da igreja na Bíblia, nenhuma. Agora nós já temos dois mil anos de história. Por que somos tão estúpidos? Desde a Reforma, no entanto, temos cultivado a idéia de que a igreja pode ser reformada. Não aconteceu. Eu sou sempre a favor da reforma, mas achar que podemos ter uma igreja reformada é tolice. Acho que o pecado constante dos pastores, talvez especialmente dos pastores evangélicos, é a impaciência. Nós temos um objetivo. Nós temos uma missão. Nós vamos salvar o mundo. Nós vamos evangelizar todo mundo, e nós vamos fazer esse monte de coisas boas e encher nossas igrejas. Isso é maravilhoso. Todos os objetivos estão certos. Mas isso é um trabalho muito lento, essas coisas que envolvem a alma, isso de levar as pessoas a uma vida de obediência, amor e alegria diante de Deus. E nós nos impacientamos e começamos a usar todos os atalhos disponíveis. Nós falamos de benefícios. Manipulamos as pessoas. Nós as intimidamos. Nós usamos uma imagem incrivelmente impessoal, uma linguagem intimidadora, manipuladora.
Não é comum pensar na igreja como intimidadora.
Sempre que a culpa é usada como uma ferramenta para convencer alguém a fazer alguma coisa, seja uma coisa boa, ruim ou indiferente, isso é intimidar. E existe a linguagem manipuladora – convencer as pessoas a participarem de programas, envolvê-las, geralmente prometendo alguma coisa em troca. Eu tenho um amigo que é expert nesse tipo de coisas. Ele sempre diz: “Você tem que identificar as necessidades das pessoas. Aí você desenvolve um programa para ir ao encontro dessas necessidades”. É muito fácil manipular as pessoas. Nós estamos tão acostumados a sermos manipulados pela indústria da imagem, da publicidade, pelos políticos, que dificilmente temos consciência de que estamos sendo manipulados. Essa impaciência, que nos faz abandonar os métodos de Jesus para cumprir a obra de Jesus, é o que destrói a espiritualidade, porque estamos usando uma maneira não bíblica, que não é de Jesus, para fazer o que Jesus fez. É por isso que espiritualidade está essa bagunça que é hoje. Mas muitos pastores vêem as pessoas sofrendo com casamentos ruins, com drogas, vícios, ganância. Então tentam, corretamente, ajudá-los agora, usando qualquer método que funcione. Sim, só que às vezes o tiro sai pela culatra quando você é impaciente. De que maneira nós vamos ao encontro da necessidade? Nós fazemos como Jesus faria, ou como o Wal-Mart faria? A espiritualidade não é uma questão de fins, de benefícios, de coisas; é uma questão de meios. É como você faz isso. Como você efetivamente vive? Então, como ajudar todas essas pessoas? As necessidades são imensas. Bem, você faz como Jesus faria. Você faz uma coisa de cada vez. Não dá para fazer a obra do evangelho, do reino, de uma maneira impessoal. Nós vivemos na Trindade. Tudo o que fazemos precisa estar no contexto da Trindade, o que significa que precisa ser feito pessoalmente, relacionalmente. No momento em que você começa a fazer as coisas impessoalmente, funcionalmente, para as massas, você nega o evangelho. Sim, nós fazemos isso o tempo todo. Jesus é a Verdade e a Vida, mas primeiro ele é o Caminho. Não podemos fazer a obra de Jesus seguindo o caminho do Diabo. Eu sou experiente nessas coisas porque existem muitos pastores sendo castrados por essas metodologias, que são impessoais. Não existe relacionamento nelas. Então eles se guiam pelo desempenho, e se tornam bem sucedidos. Isso é muito fácil na nossa cultura, principalmente se você for alto e tiver um sorriso bonito. E eles perdem suas almas. Depois de 20 anos, não sobra nada. Ou eles desmontam. Eles tentam fazer esse monte de coisas, e não funciona, e eles desistem, ou começam a fazer outra coisa. Provavelmente 20 por cento dos casos extra-conjugais envolvendo pastores não são provocados pela luxúria, mas sim pelo tédio, por não ter esse tipo romântico de vida que eles achavam que teriam.
E se nós abordarmos a questão não em termos de necessidade, mas de relevância? Muitos cristãos esperam falar à geração X ou Y, ou aos pós-modernos, ou algum sub-grupo, como os cowboys ou os motoqueiros, pessoas para quem a igreja típica parece irrelevante.
Quando você começa a moldar o evangelho à cultura, seja uma cultura jovem, uma cultura de uma geração específica, ou qualquer tipo de cultura, você tirou a essência do evangelho. O evangelho de Jesus Cristo não é o reino deste mundo. É um reino diferente. O meu filho Eric começou uma igreja nova há seis anos. Os presbiterianos têm uma espécie de acampamento para treinar pastores de igrejas novas, onde você aprende o que você deve fazer. Então o Eric foi. Um dos professores do treinamento falou que ele não deveria usar talar: “Você vai lá e encontra as pessoas dessa geração onde eles estão”. Então Eric, sendo um bom aluno e querendo agradar seus colegas, não usou talar. A sua igreja começou a se reunir no auditório de um colégio. No começo ele usava terno todos os domingos. Mas quando veio o primeiro domingo de Advento, com Santa Ceia, ele me disse: “Pai, eu simplesmente não agüentei. Então eu pus um talar”. Os vizinhos dele, Joel e sua esposa, foram à igreja. Joel era o estereótipo da pessoa para quem o modelo de desenvolvimento de igrejas novas era feito – suburbano, gerente, nunca foi à igreja, totalmente secular. Eric imaginou que Joel estava vindo porque eles eram vizinhos, ou porque ele o achava simpático. Depois daquele culto de Advento, ele perguntou o que o Joel achou do fato dele usar um talar. Ele respondeu: “Me fez pensar. A minha esposa e eu falamos sobre isso. Acho que o que nós estamos procurando é um espaço sagrado. Nós dois achamos que encontramos”. Eu acho que relevância é uma besteira. Eu não acho que as pessoas se importem muito com que tipo de música você toca, ou qual é a ordem de culto. Elas querem um lugar onde Deus seja levado a sério, onde elas sejam levadas a sério, onde não exista manipulação de suas emoções ou de suas necessidades consumistas. Por que nós viramos vítimas dessa mentalidade de propaganda, de publicidade? Acho que ela está destruindo a igreja. Mas outra pessoa pode entrar na igreja de Eric, ver ele usando um talar, e sair, achando que o ambiente era religioso demais, muito igrejeiro. Então por que elas foram, se não era para ser religioso? Por que foram a uma igreja? É claro que existe um outro lado da questão. Se você vai a uma igreja em que todo mundo está interpretando um papel de religioso, isso vai afastar as pessoas. Mas esse tipo de mentalidade performática, de pessoas interpretando papéis, também pode ser vista na igreja cowboy ou qualquer coisa assim – ali também, todo mundo está interpretando um papel. Mas nós estamos envolvidos com uma coisa que carrega uma grande dose de mistério. Vamos tirar todo o mistério, para ficar no controle? Será que a reverência não está na essência do culto a Deus? E se nós apresentamos uma forma de fé absolutamente sem mistério, sem reverência, como é que as pessoas vão saber que existe algo além de suas próprias emoções, suas próprias necessidades? E existe uma coisa acontecendo que é muito maior que minhas necessidades. Mas como é que eu vou saber disso, se o culto e o programa são completamente centrados nas minhas necessidades? Algumas pessoas argumentariam que é importante ter um culto em que as pessoas se sintam à vontade para ouvir o evangelho. Eu acho que elas estão erradas. Pegue essa história que eu contei sobre a família sentada na nossa frente no domingo. Ninguém estava confortável. A igreja toda estava sofrendo. E, mesmo assim, eles podem ter experimentado mais evangelho em ir até a mãe a abraçá-la, porque ela estava morrendo de vergonha. Como podemos saber quando passamos do ponto em que adaptamos o ministério à cultura, para o ponto em que sacrificamos o evangelho? Acho que um teste é este: Eu estou trabalhando a partir da história de Jesus, dos métodos de Jesus, da maneira de Jesus? Eu estou sacrificando os relacionamentos, a atenção pessoal, o relacionamento pessoal por um atalho? É só um programa para que as coisas sejam feitas? Não dá para fazer a obra de Jesus de uma maneira que não seja a de Jesus, e ficar por isso mesmo. Embora possa ser um grande “sucesso”. Uma coisa que eu considero uma característica minha é que eu fico no nível local. Eu estou enraizado numa vida pastoral, que é uma vida normal. Então, enquanto todo esse brilho e imagem de espiritualidade está por aí, eu me sinto bastante indiferente a tudo isso, para dizer a verdade. E eu tenho minhas suspeitas, porque parece ser um movimento sem raízes, não enraizado nas condições locais, que são as únicas condições em que você pode viver uma vida cristã.
Copyright © 2005 Christianity Today. Março de 2005, Vol. 49, Nº 3, Página 42 Traduzido por Marcos Davi, Maio de 2005