terça-feira, agosto 04, 2009

Cristianismo e Protesto

O comunismo rejeitou a religião chamando-a de “ópio do povo”, pois entendia que ela anestesiava a capacidade crítica do ser humano, transformando-o numa “vaquinha de presépio” diante das autoridades e situações de injustiça. Para Karl Marx acreditar em Deus impedia o homem de tornar-se um transformador da realidade, pois ter fé levava-o a entender que tudo quanto acontecia, desgraças e injustiças, era a manifestação da vontade de Deus, logo, nada há a fazer contra os desígnios divinos.
A espiritualidade da Bíblia não prega isso! Ao contrário, quando lemos a Palavra de Deus de forma correta, compreendemos que o Senhor de Israel ajuntou para si um povo disposto a protestar contra toda a injustiça e maldade. Crer em Deus não anestesia, mas torna-nos ainda mais sensíveis a dor e ao sofrimento alheio. Mais que isso, o convite do reino de Deus a todo o homem é que esteja neste mundo um agente que promova “justiça, paz e alegria”.
Quando Deus chama Abraão para tornar-se o “pai de uma nação”, ele deixa bem claro qual seria a missão deste povo que se chamaria pelo Seu nome: “Porque Eu o tenho escolhido, a fim de que ele ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, para que guardem o caminho do Senhor, para praticarem retidão (‘tesdacá’) e justiça (‘mishpat’)” (Gn.18:19).
No momento em que Abraão recebe a notícia em primeira mão e da parte do próprio Deus que Sodoma seria destruída, ele protesta diante do Senhor. Entendendo sua missão de levar toda uma nação a estar no mundo praticando justiça, pareceu a Abraão que Deus estaria sendo injusto destruindo o justo juntamente com o pecador (Gn.18:23). O senso de retidão estava tão à flor da pele que nem o Todo-Poderoso escapa de seu questionamento (18:26-32). Abraão estava errado! Não haviam nem 10 justos em Sodoma, mas mesmo sabendo disso o Eterno permitiu-se ser desafiado por seu servo. Porquê?
Não somos chamados a realizar no mundo a “justiça divina”. Somos chamados para sermos humanos inteiros. Quantos agindo em nome da justiça divina cometeram atrocidades na história da humanidade! Muito do fundamentalismo que gera o terror é produto de homens que entendem-se como o “martelo” de Deus, julgando e condenando aqueles que com eles não concordam. Mas, apesar de não compreendermos e estarmos aptos a realizar a justiça divina que é perfeita, isso não significa que devamos cruzar os braços! Se não posso resolver perfeitamente não quer dizer que não possa fazer algo para minorar o sofrimento e as desigualdades que assolam a humanidade.
A espiritualidade cristã, quando vivida em plenitude, afia o senso de justiça, amolece o coração, molha os olhos e nos move na direção do próximo com generosidade e respeito. Acredito que é por isso que até mesmo a própria criação “aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus” (Rm.8:19). Onde os filhos de Abraão caminham, retidão e justiça são os sinais de sua presença.

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