sábado, novembro 01, 2008

Por Que Tanta Dívida?

Contradizendo nosso querido Presidente Lula, a dívida Americana desembarcou em nossos portos e parece que não levanta âncora tão cedo. A economia brasileira que andava saudável “como nunca antes na história deste país”, foi atingida em cheio e está cambaleante, deixando economistas, autoridades e gente comum sem saber no que vai dar.
Qual foi o problema dos nossos vizinhos de cima, os norte americanos? Que rombo foi esse que o mundo inteiro está tendo que sacar do pé-de-meia pra poder cobrir?
Bem, na verdade, com base numa promessa que não se cumpriu, que dizia que “Sua casa de 100 mil hoje vai valer 300 mil amanhã, então, pegue um empréstimo de 200 mil”. Mas a “casa caiu”, e quando o amanhã chegou, a casa de 100 mil continuava valendo 100 mil e não havia como pagar os 200 mil. Imagine isto acontecendo numa escala de milhões de pessoas? Daí o caos no sistema financeiro americano: quem emprestou queria receber e quem tomou emprestado não tinha como pagar.
Trata-se de um velho problema alimentado pelo capitalismo: querer viver com mais do que se precisa, endividar-se para pagar às aparência e depois não conseguir pagar as dívidas. Por aqui sofremos do mesmo mal. Quantas famílias já chegando ao fim do ano endividados até o meio de 2009? Quantos não tendo como pagar os cartões de crédito, fáceis de tirar, mas difíceis de pagar? Quantos irmãos sendo infiéis a Deus porque foram fiéis a “mamom” (deus-dinheiro)?
O problema é espiritual! Insatisfeitos com o que se tem, busca-se cada vez mais, na ilusão de que a felicidade vem pela via do consumo. Assim, compra-se o que não se precisa com o dinheiro que não se possui. A alegria e a paz, distintivas do caráter cristão ficam comprometidas e famílias inteiras são abaladas.
Precisamos pedir ao Pai sabedoria e serenidade. Em tempos de recursos escassos, deve-se fugir das dívidas longas e dos investimentos muito ousados. Deixemos isto para os “reis da fortuna”, gente que possui milhões de dólares, e se perderem algum, não fará a menor falta.
Quem não se contenta com o que possui, seja muito ou pouco, estará sempre insatisfeito! Precisamos pedir a Deus ajuda para sabermos ser felizes com aquilo que já possuímos, pois do contrário, precisaremos gastar cada vez mais na ilusão de que “ainda nos falta algo para sermos felizes”.

Falta De Recursos

Vivemos num tempo de escassês, tanto material como moral. O primeiro tipo tem sido defendido amplamente, portanto não vou gastar tempo aqui. O segundo tipo de pobreza, a falta de valores, tá apanhando feio no canto do ringue, e aqui saio a defendê-la.
Lembro-me de ter recebido algum ensino de moralidade no ensino médio (na época 2º grau...) por meio de duas matérias: Moral e Cívica e Estudo dos Problemas Brasileiros ou Estudos Sociais. Não me lembro de nada das duas, apenas que eram minhas aulas mais chatas. Com ambas extintas, formou-se ou apenas oficializou-se um vácuo no ensino moral nos currículos de nossas escolas brasileiras.
Hoje, por meio dos novos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais), o MEC (Min. de Educação e Cultura) órgão educacional do Governo Brasileiro, tem tentado resgatar o grande prejuízo na formação moral de gerações. Voltou-se a falar que não queremos apenas um cidadão competente, mas também uma pessoa moralmente equilibrada.
Carecemos de inteligência moral. Nossos jovens e outros tantos já adultos sofrem de analfabetismo de moralidade. A inteligência não foi treinada para o bem e a educação nos últimos anos não trabalhou para desenvolver a consciência dos valores fundamentais desejáveis. Segue-se o "raciocínio situacional", ou seja, define-se o que é o moralmente correto de acordo com aquilo que for o melhor para cada um. “Cada cabeça uma sentença”, alguém diria.
Numa sociedade democrática e plural, não adiante tentar resolver esta situação com a imposição de valores. É necessário dialogar, convencer racionalmente e acima de tudo sermos um exemplo de pessoas moralmente saudáveis e felizes.
Não poucos têm a idéia errada de que os mandamentos da Bíblia só servem para nos fazer infelizes. Pensa-se em Deus como “o-grande-estraga-prazeres-do-universo”. Entretanto, se Cristo era realmente quem disse que era - Deus encarnado - toda sua vida, ética, conduta e posicionamentos são a manifestação mais pura daquilo que de fato é a realidade. Sendo Deus, seus pensamentos eram perfeitos e sua conduta, o caminho para uma vida feliz. Logo, imitar a Cristo é a estratégia para uma vida sábia e impregnada de sentido e significado.
Os maiores problemas de nossa sociedade não são “técnicos-instrumetais”, mas morais. A questão não é a falta de conhecimento, mas de caráter e coração. Estamos tropeçando, enquanto humanidade, no mal funcionamento de nossa inteligência moral. Ainda aposta-se na corrupção, orgulho, individualismo, na maledicência, na utilização errada da sexualidade, na dificuldade para perdoar, etc, como “atalhos para a felicidade”.
Somos seres morais e enquanto negarmos isto, estaremos rumando para os abismos de uma vida na qual nunca experimentaremos satisfação. Ninguém mais agüenta o “moralismo imposto” sob a ameaça de um Deus que manda para o inferno. Temos que resgatar que Cristo não era apenas “bonzinho e religioso”, mas também uma mente perfeita na análise da realidade. Ouví-lO e obedecê-lo não tem a ver apenas com ser “religioso”, mas inteligente e sábio. Os princípios que Ele ensinou e viveu são guias seguros para uma vida que experimentará felicidade acima da média. Os recursos morais de que nossa sociedade desesperadamente precisa, encontram-se em abundância nas riquezas de Cristo.

Pensando Em Desistir?

Por vezes sou questionado com perguntas deste tipo: “você já pensou em desistir?”; “Alguma vez te passou pela cabeça abandonar a fé?”. As pessoas fazem perguntas a partir daquilo que estão sentindo. Quando queremos saber dos outros, na verdade, queremos é entender o funcionamento de nosso próprio coração.
Geralmente respondo a estas pessoas assim: “bem-vindo a raça humana!!!”. Claro que por vezes me sinto profundamente desanimado! Em parte, por minha própria personalidade muito reflexiva e introspectiva. Em parte, por que sou tão humano quanto qualquer um, e críticas desanimam; a falta de compromisso de nossos pares arrefece nosso ardor; a incompreensão e falta de amizade são espinhos que estouram o balão de nossa alegria. Minha bola está ás vezes tão esfacelada que acho que não vai dar nem pra fazer bolinha pequena chupando o pedacinho partido da bexiga colocada sobre o dedo indicador...
Onde reencontro forças? Porque Deus tem me concedido a alegria e fervor renovados de servi-lO por quase 15 anos como pastor e pelo menos 30 anos como cristão? Onde mato minha sede e refaço-me das agruras da vida? Algumas sementes de reflexão que espero lhe sirvam de refresco em meio ao deserto do desânimo:
1) Aprendi a não mudar o rumo quando estou confuso. Os momentos de fraquejo nos deixam desorientados e com vontade de partir. Já escrevi algumas vezes minha carta demissória. Não entreguei. Ajoelhei-me. Entreguei-me. Fui dormir. Na hora da confusão, nada de decisão!!!
2) Aprendi a aceitar meus erros. Por vezes somos os mais cruéis algozes com nossos próprios erros. Trancamo-nos na masmorra da culpa e açoitamo-nos com o chicote da intolerância. Sangramos lamento. Nascem fístulas de ódio de si mesmo. Erro de verdade é só aquele com o qual nada aprendemos. Aprendeu algo? Foi lição, aula de vida...não se leve tão a sério!
3) Aprendi a descansar quanto aos resultados. As pessoas querem sempre mais. Somos o tempo todo medidos por desempenho. Já ouvi muito a frase: “mas eu tive um pastor que não era assim” ou “na minha outra igreja fazíamos de outro jeito”. Atingir as expectativas de todos é suicídio da personalidade. Cristo age de mil maneiras. A graça é multiforme. Deus é quem nos julga. Faça a sua parte. A graça completará o serviço.
4) Aprendi a perdoar. Quando estamos frágeis ficamos também mais melindrosos. É verdade que as pessoas nos machucam, falam coisas tolas e injustas. É assim mesmo. São tão pecadores como você e eu. Também ofendi muito a Deus, e a outros. Abrir mão do rancor faz a alegria renascer em nosso peito. Livre-se dos andrajos da amargura. Coloque a roupa nova e limpa do amor incondicional. Perdoe, perdoe, perdoe...viva!
5) Aprendi que felicidade é o jeito como se vai. Mais importante que os resultados, é o processo. Ás vezes torcemos tanto para que um momento chegue, mas algo dá errado, e nosso ideal desce pelo ralo. Felicidade é o somatório dos bons momentos. Curta a graça nos detalhes: “O dia pode tá ruim, mas que café gostoso!”; “O projeto não deu certo, mas demos boas risadas”; “Ainda não temos casa própria, mas que sorriso lindo minha esposa tem”. Quem marca data pra ser feliz vai estar sempre correndo atrás do prejuízo cobrado na fatura da insatisfação.
Aprendi, enfim, que o desânimo é passageiro e a graça de Deus é o que perdura. Quem chuta o balde sem pensar acaba fazendo besteira e perdendo o bonde de Deus na própria vida. Deixar a fé? Como disse o nosso querido Pedrão: “Para quem iremos nós? Só Tu tens as palavras de vida eterna!”. Perseverar é um hábito que a mente aprende motivada pela fé. Aprender a perseverar na vida cristã, é recusar-se a deixar o caminho de Jesus. Caiu? Levanta! A graça nos conduzirá se firmarmos nossos passos, com a amizade dos irmãos e os olhos fitos no autor e consumador de nossa fé: Jesus Cristo de Nazaré!!!

O Shabbath E A Graça

A guarda do sábado está no centro de toda a espiritualidade cristã, entendendo-a como um princípio de vida e não como uma regra a ser seguida ao pé da letra. Quando adotamos a prática de guardar um tempo a cada semana para fazer uma pausa, estamos abrindo espaço em nossa vida para a graça de Deus.
No sábado, o povo judeu nada fazia, pois entendia que “tudo” já havia sido feito, mesmo que não estivesse. O judeu guardava o sábado como um ato de obediência, mas também de adoração e surpresa diante de tudo quanto Deus lhe havia concedido. Era um dia para estar à disposição de Deus e dos amados do coração.
Temos a tendência, depois de um tempo, de nos acostumarmos com as coisas e então deixarmos de notá-las. No início do romance, ficamos maravilhados com os diferentes tons de cor nos olhos de nossa amada sob determinado reflexo do sol sobre sua retina. Depois de um tempo, conversamos com ela sem nem ao menos olhá-la. Perdemos o “maravilhar”, tornamo-nos sonâmbulos no amor.
O shabbath para o povo de Deus tinha o objetivo de fazê-los “parar e olhar, dar atenção”. Era um dia para dizer “obrigado”. A simples admiração diante da vida, da criação, do lugar onde habitavam exigia uma resposta, um agradecimento, um shabbath. Ao resgatarmos o estilo de vida sabático estamos afirmando que não precisamos de mais nada para ser gratos. Somos gratos. Já recebemos muito, quando nada merecíamos. Trata-se de um dia para dizer que “estamos satisfeitos”. É dar um basta na febre que adoece a alma e a faz arder a todo instante atrás da última novidade. É pisar fundo no freio do carro em alta velocidade chamado “diversão-distração-dispersão”. É um dia em que perguntamos, já sugerindo a resposta adequada: “porque não nada?”. Isso é treinar o coração para perceber a bondade de Deus.
O mandamento diz “guarda o sábado para o santificar”. A verdadeira santificação exige uma vida com pausa. Não se torna uma pessoa espiritual, santa, separada para Deus, andando rápido demais. Há um jargão que devia ser revisto que diz: ‘Deus não usa os desocupados’. Não sei não, acho que não é bem assim. Davi tinha tempo para compor poemas. A meditação (tempo separado para deixar a Palavra germinar em nossa mente...uma atividade intelectual-moral intencionalmente praticada...) é sugerida por toda a Bíblia para os que desejam ser usados por Deus. Jesus cavava em sua agenda messiânica a todo instante, momentos a sós com o Pai, às vezes uma noite inteira.
Penso que Deus precisa de pessoas que saibam fazer pausas. Gente que não se sinta incompetente e ou preguiçosa ao tirar umas horas, uma tarde ou mesmo um dia inteiro para celebrar. Deus precisa de pessoas que saibam colocar em suas agendas tempo para o ócio criativo, onde a alma, à disposição do Espírito, poderá ser restaurada e tornar-se novamente fecunda para Deus, o próximo e para a Igreja.
Quando paramos e desfrutamos daquilo que o Senhor já nos deu, estamos anunciando a salvação pela fé. Parar e desfrutar, é um ato de confiança. O shabbath, expressa o descansar no trabalho e nas realizações de Deus, na justificação pela fé, na obra perfeita de Cristo na Cruz.Saber parar e descansar é um testemunho de fé num mundo viciado em agitação e barulho. É desfrutar das infinitas riquezas da graça, concedidas a todos gratuitamente, em Jesus. Praticar a desaceleração orientada pela guarda do sábado, é estar no mundo como uma testemunha viva da felicidade que só podemos encontrar no amor incondicional – não comprado e nem merecido, mas doado – de Deus em Cristo Jesus. Acho que daí vem o termo “vida desgraçada”: viver sem dar atenção a graça.

Independência Moral

Virou moda no discurso de nossos políticos o termo “choque administrativo”, que significa uma série de medidas organizacionais visando um melhor funcionamento do aparelho público, ou seja, mais resultados com menos gastos. Concordo, mas também entendo que necessitamos urgentemente de políticos dispostos a empreenderem um choque ético ou moral na vida pública de nossa nação.
Nosso problema fundamental não é a incompetência, fruto de mal preparo ou desconhecimento teórico. É claro que esta questão também existe, mas afirmo: não é nosso principal problema! Vivemos uma época de analfabetismo moral! Nossos problemas não estão na defasagem do raciocínio, mas sim do caráter e dos valores fundamentais que deveriam ornar a conduta de cada cidadão. O conhecimento moral está desaparecendo!
É claro, moralismo é algo indesejável. Um mero “kit” de regras e proibições fomentará ainda mais o comportamento contrário. Não precisamos de “ditadores” morais, mas de homens públicos que sejam “educadores de valores” por meio da conduta pública e particular.
No próximo mês elegeremos homens e mulheres para cargos da vida pública municipal. Urge compreendermos que a competência administrativa é apenas um dos quesitos que deveriam levar nosso dedinho a apertar “CONFIRMA” na urna eletrônica. Projeto político é importante conhecer sim, mas o projeto pessoal de vida também. “Quem é o candidato?; Como lida com sua família? O que as pessoas mais próximas dele dizem?” São questões também fundamentais para escolhermos nossos candidatos. Pelo menos deveria.
Sócrates, filósofo grego, afirmou: “Todas as instituições humanas, de ensino, da política, do estado, etc., são ramos da ética, pois todas têm alguma coisa a ver com a atuação do homem dentro da sociedade”. Isso é sério e verdadeiro. Nossos filhos não são formados moralmente apenas pelas instituições nas quais estão diretamente inseridos (escola, igreja, etc.). Há um contexto maior de instituições que também moldam o caráter de nossos jovens (estado, município, agremiações esportivas, etc.).
Oxalá, neste 7 de setembro estejamos levantando um clamor aos céus pela vida moral de nossa nação. A Bíblia diz que “todo aquele que comete pecado é escravo do pecado”. Que a independência de nossa nação não seja meramente política, mas que também possamos ver levantarem-se na vida pública de nossa nação homens honrados, com decência moral, respeitados por sua família e por todos de seu convívio íntimo. Afinal, governará bem um povo aquele a quem nem a própria família e amigos respeitam?

Fraqueza De Deus

Boa parte do ateísmo contemporâneo baseia-se na objeção enunciada com muita força no passado por J. P. Sartre e retomada pelos seus discípulos: “Se Deus existe, eu não sou nada”.
Se existe um Deus onipotente, o que ainda sobra para mim? Essa presença ao meu lado do poder absoluto torna irrisórias todas as minhas ações. Diante do infinito, todo o finito torna-se irrelevante. Há muitas maneiras de enunciar o argumento.
A objeção foi formulada desde a Idade Média, mas não conseguiu convencer. A resposta diz que Deus e o homem não se situam no mesmo plano, como duas liberdades em competição.
A resposta não convenceu porque durante séculos os teólogos debateram a questão da predestinação, isto é, da compatibilidade entre a liberdade de Deus todo-poderoso e a liberdade humana. Assim fazendo, situaram no mesmo plano as duas liberdades. Se os teólogos – tomistas, dominicanos e jesuítas – tomaram essa posição durantes séculos, não é estranho que filósofos façam a mesma coisa.
De qualquer maneira, a pessoa sente tantas vezes o conflito entre a sua vontade, o seu desejo e o que diz que é a vontade de Deus, que a reação parece inevitável. Os sartreanos sustentam que, para ser livre, é necessário negar a existência de Deus. Infelizmente para eles, Deus não depende das negações ou das afirmações de Sartre.
A verdadeira resposta está na fraqueza de Deus. O nosso Deus é um Deus “escondido” – tema constante da tradição espiritual cristã.
É um Deus que se manifesta no meio da nuvem, que se faz perceptível, mas não impõe a sua presença.
A liberdade consiste justamente nisto: diante do outro, a pessoa pára, reconhece e aceita que exista. Abre espaço, acolhe. Longe de dominar, escuta e permite que o outro fale primeiro. Assim Deus suspende o poder de Deus.
Nenhuma evidência, nenhuma ameaça, nenhum constrangimento força nem obriga. Deus permite e deixa fazer. Deus respeita o outro na sua alteridade e permite, até mesmo, que o outro se destrua sem intervir. A liberdade de Deus consiste em permitir e ajudar a liberdade do menor dos seres humanos. A liberdade de Deus reprime o poder. Torna-se fraca para que possa manifestar-se a força humana.
O hino de Filipenses 2.6-11, núcleo da cristologia paulina, expressa essa fraqueza de Deus. Pois o aniquilamento de Jesus incluía o aniquilamento do Pai: "Esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de escravo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi desobediente até a morte, e morte de cruz!” (Fl 2.7-8).
Deus escondeu o seu poder até a ponto de as autoridades de Israel não o reconhecerem. É desta maneira que Deus se dirige às pessoas: sem intimidação, sem poder, na dependência de seres humanos, entregando a própria vida nas mãos de criminosos. Quem dirá que dessa maneira Deus faz violência às pessoas?
Como comentou Levinas, o outro é o desafio da liberdade, a provocação que a desperta. Diante do outro há duas atitudes: examiná-lo para ver em que ele me poderia ser útil ou qual é a ameaça que representa para mim, ou então, perguntar-me o que eu poderia fazer para ajudá-lo.
A liberdade de Deus autolimita-se. Diante da sua criatura, Deus limita sua presença. Deus preferiu antes deixar que crucificassem o seu Filho a intervir para impedir tal justiça. Trata-se de fraqueza voluntária.
É verdade que durante muitos séculos, sobretudo na pregação popular, os pregadores apresentaram uma concepção bem diferente de Deus. Usaram temas e comportamentos da religião popular tradicional: medo diante do trovão, medo da seca e de cataclismos naturais – entendidos como castigos divinos –, medo das doenças recebidas também como castigos e assim por diante.
Era fácil despertar o temor a partir de idéias puramente pagãs ou supersticiosas. Essa pregação de terrorismo religioso podia dar resultados imediatos, levando milhares de pessoas aos sacramentos. A longo prazo, porém, destruíram as bases da credibilidade da Igreja. Hoje a maioria das pessoas deixaram de ter medo do trovão, não sendo mais motivo para temer a Deus, como foi no passado. Naquele tempo achou-se válido o método do temor, todavia hoje recolhe-se os frutos dessa pastoral.
Pensou-se que os povos precisassem temer um Deus forte – e desprezariam um Deus fraco. Tais erros se pagam cedo ou tarde. Estamos pagando hoje esse preço.
Deus torna-se fraco porque ama. Quem mais ama é sempre mais fraco. Não será essa a grande característica das mulheres? Quase sempre amam mais, e, por isso, sofrem mais. Porém, nessa fraqueza consentida não estará a maior liberdade?
Nessa fraqueza a pessoa vence todo o egoísmo, todo o desejo de prevalecer, toda a preguiça de aceitar maiores desafios. Exige mais de si própria, vai mais longe, além das suas forças. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (João 15.13). Aí está também a expressão suprema da liberdade.
A fraqueza de Deus vai até a ponto de se tornar suplicante. O versículo predileto do saudoso teólogo latino-americano Juan Luís Segundo diz; “Eis que estou batendo na porta: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo (Apocalipse 3.20).
Deus bate na porta e aguarda. Se não é atendido, afasta-se e continua o caminho. Somente entra se é convidado. Depende do convite da pessoa. Deus torna-se pedinte, suplicante.

José Comblin

Amor E Desempenho

Muito, muito cedo aprendemos que nosso valor depende de nosso desempenho. “Se sair-se bem, receberá meu amor”. Bem, isso não era falado assim, mas é o que o nosso coração ouvia. Logo, acreditamos numa mentira: o amor dos outros depende do sucesso que fazemos na vida. E assim saímos mundo a fora, querendo e tentando ser ‘tudo’ o que os outros esperam de nós. Receita certa de infelicidade.
Nossa maior necessidade torna-se também nossa maior tragédia: precisamos ter a certeza do amor alheio. Ser aceito, amado, acolhido e valorizado é o clamor do coração de todo o ser humano, ainda que muitos, os mais doentes, não reconheçam.
Pensamos que para conseguir a admiração alheia, devemos nos tornar ‘outra’ pessoa, afinal, quem nos amaria como somos? Assim começamos a incorporar comportamentos e atitudes que de fato não são nossos. Criamos estratégias de comportamento que, julgamos, serem o caminho mais curto até o carinho e respeito dos outros ao nosso redor. Desistimos do projeto de Deus, “ser eu mesmo”, e passamos a construir o “falso eu”.
Quanto mais distantes do “ser eu mesmo”, mais distantes do Pai. Deus não se relaciona com o clone de mim mesmo. Ele espera, ansioso, pelo dia em que desistiremos de ser aquilo que os outros esperam e nos tornaremos a pessoa que nascemos para ser. É necessário muita, muita coragem mesmo para deixar as máscaras caírem.
Neste baile de máscaras temos fantasias para todos os gostos e desgostos. O sedutor: pessoas muito agradáveis, um encanto, sempre nos acariciando e afagando. Desejam que os outros se apaixonem; o carrancudo: com sua cara feia e seus rosnados ocasionais entremeados por silêncio sepulcral, mais afasta do que aproxima as pessoas, mas, também consegue o que quer: respeito (ou seria medo?); o lamentador: está sempre pronto a chorar e a debulhar-se em gemidos, pois sua vida é sofrer. Assim também consegue a compaixão de alguns; o intelectual: vive no mundo dos conceitos, racionaliza tudo, não experimenta quase nada. Do seu interior corre um conta-gotas de águas vivas, mas consegue o que deseja, a admiração (que sempre vem com a inveja no mesmo embrulho); o rebelde: não se encaixa em nada, pois tem sempre uma ‘maneira diferente de ver tudo’. Os outros são sempre ‘ditadores’ e não consegue submeter-se a nada e ninguém. Ele também busca algo, a atenção; poderíamos falar também do palhaço, do valentão, do sabe-tudo, do trabalhador padrão, etc e etc. A lista seria interminável.
O problema, é que o resultado de não nos tornarmos a pessoa que nascemos para ser, será nunca nos sentirmos seguros do amor que recebemos. Afinal, amam o que não sou, logo, não me amam de verdade. O verdadeiro amor implica na busca constante do conhecimento do outro real. Enquanto isto não ocorre, os aplausos, sabemos, são todos para o ‘personagem’ que construímos.
Só existe amor onde as máscaras caem. Enquanto mantivermos a pose do nosso “tipo social”, viveremos na insegurança do amor, inclusive do amor do Pai. Deus anseia pelo dia em que pararemos de lutar pela sobrevivência de nosso próprio ego e nos lançarem, sem máscaras, em seus braços!
A liberdade dos filhos de Deus só pode ser experimentada quando abrimos mão do projeto pessoal que construímos e dizemos sim ao projeto de Deus: transformar-nos à imagem e semelhança de Cristo, onde com todas as minhas características pessoais e meu jeitão agora curado pela graça (amor imerecido), passaremos a transparecer, como filhos amados, o caráter do Pai.

Amor E Controle

Desde sempre nossa maneira de “amar” esta impregnada pela idéia de “controlar”. Nosso amor é possessivo. Declaramos “meu marido”, “minha esposa”, “meus filhos”, etc. Nosso sentido de amar é quase sinônimo de “possuir”. E assim, aquilo que entendemos como a dinâmica do amar termina por sufocar a experiência que mais poderia nos aproximar da semelhança com o criador: amar libertando.
Sei que neste momento da leitura os “possuidores de plantão” já estão com a mente repleta de argumentos: “mas quem ama cuida, protege, responsabiliza-se, é zeloso, etc.” É, eu sei disto tudo e concordo, em parte. Existe um limite saudável entre possuir e cuidar, difícil de encontrar, mas não impossível. Trata-se de saber cuidar sem manipular, exortar sem querer provocar culpa, relacionar-se sem misturar-se. Falo do amor maduro.
Sofremos demasiadamente em nossas relações afetivas porque nos misturamos com o alvo de nosso bem querer. Só ficamos “bem” quando o outro está bem. A identidade confunde-se e o projeto de vida de um fica dependente do outro. O resultado é sofrimento e uma forma de amar que em nada se parece com o amor divino.
Deus é ser pessoal e infinitamente perfeito em Sua forma de nos amar. Mas Ele nos criou livres e assim relaciona-se conosco. Sua intenção de levar-nos à perfeita maturidade, passa necessariamente por deixar-nos assumir as conseqüências de nossas decisões. Ninguém cresce fora da decisão. Isto não é abandono, mas condução ao viver responsável. Não se trata de frieza, mas de sabedoria em educar. Ele não é frio em Seu amor, mas sim comprometido em resgatar a pessoa inteira, indivíduo e indivisível que manifestou-se em plenitude na maneira de Cristo Jesus viver: o ser humano mais maduro em amor que pisou neste planeta.
Ou amamos ou possuímos. Quando nossa forma de amar o outro implica na anulação de sua individualidade, entramos no que tem sido chamado de co-dependência, também chamada de relação simbiótica. O verdadeiro amor liberta. Incentiva o outro a se tornar tudo o que nasceu para ser. Permite que o outro seja “outro”, e não tenha que viver para atender todas as suas expectativas.
Colocar limites e proteger o relacionamento nada tem a ver com aprisionar o outro nos grilhões de nosso amor. “O amor lança fora o medo”. Neste sentido, amar é também um genuíno ato de fé. Só ama assim aquele que confia em Deus. Não um Deus que levará o outro a fazer tudo o que queremos e conforme desejamos. Mas um Deus-amigo que estará sempre ao meu lado aja o que houver. Ao amar assim, permitindo que o outro tenha espaço para ser ele mesmo, aceitando as discordâncias possíveis sem retaliação, o ser humano torna-se extensão do amor de Deus na vida do outro.
É verdade que amar assim é sempre arriscado. Mas entenda: amar de qualquer forma é sempre arriscado! Não há promessas, pois o outro é sempre livre, e no fim, fará sempre o que decidir. A diferença em não misturar amor com posse é que não estaremos enganando a nós mesmos com a pretensão de que “temos tudo sob o controle” de nosso amor.
Só Deus sabe todas as coisas: passado, presente e futuro. Ele já está lá na frente em Seu amor providente. Ele e somente Ele pode cuidar em todos os momentos dos nossos queridos, e tentar fazer o papel dEle é o caminho certo para a depressão e a destruição da relação de respeito com os outros.
Amemos com fé! Saibamos reconhecer nossos limites! Livremo-nos do “controle” que se utiliza sempre das ferramentas da “culpa, sedução ou ameaça” para conduzir o outro na relação conosco. Deixemos os outros partirem emocional, física e intelectualmente para longe de nós. Como o Pai da parábola que não impediu o “filho pródigo de partir”, mas com o coração cheio de fé ficou esperando na porteira, lubrificando-a com suas lágrimas e orando baixinho Àquele que tudo pode. Afinal, como nos ensinou o “filho mais velho”, permanecer por perto (em casa) fazendo a vontade do Pai não é garantia de relacionamento honesto e comunhão real.